I - INTRÓITO
Nota-se uma tendência do Estado em transferir cada vez mais para os Serviços de Notas e de Registro uma parte do custo gerado por sua política social, o que restou evidenciado sobretudo após o advento da Lei Federal n. 9.534/97 e dos efeitos por ela causados na receita dos Registros Civis das Pessoas Naturais.
Enquanto isso, o processo digital e a desjudicialização, com o crescente aumento das atribuições conferidas aos serviços do foro extrajudicial, apresentam-se como saídas inteligentes para desafogar o Poder Judiciário e acabar com a lentidão dos processos, um dos grandes problemas atuais.
No campo dos Registros Imobiliários a produção legislativa mostra-se veloz. Novos institutos, como o da alienação fiduciária de imóvel em garantia e o PMCMV causaram impacto sobre a política de crédito e a taxa de juros nos financiamentos.
Em atenção a esse panorama, no presente ensaio focalizaremos a questão da redução de emolumentos relativos ao registro do primeiro financiamento através do SFH.
Prevista no art. 290, da Lei 6.015/73, com a redação que lhe foi dada pela Lei Federal n. 6.941/81, essa redução de emolumentos antecede a outras, como aquelas criadas pelo Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV.
Enquanto isso, o processo digital e a desjudicialização, com o crescente aumento das atribuições conferidas aos serviços do foro extrajudicial, apresentam-se como saídas inteligentes para desafogar o Poder Judiciário e acabar com a lentidão dos processos, um dos grandes problemas atuais.
No campo dos Registros Imobiliários a produção legislativa mostra-se veloz. Novos institutos, como o da alienação fiduciária de imóvel em garantia e o PMCMV causaram impacto sobre a política de crédito e a taxa de juros nos financiamentos.
Em atenção a esse panorama, no presente ensaio focalizaremos a questão da redução de emolumentos relativos ao registro do primeiro financiamento através do SFH.
Prevista no art. 290, da Lei 6.015/73, com a redação que lhe foi dada pela Lei Federal n. 6.941/81, essa redução de emolumentos antecede a outras, como aquelas criadas pelo Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV.
Não só por ser uma ancestral das benesses de hoje, mas também fonte fértil para questionamentos, mereceu a nossa atenção por meio do presente estudo.
Vamos confrontar o art. 290 da LRP com o texto da CR/88 e a produção legislativa superveniente. Abordaremos a questão da perda de receita sem uma correspondente compensação, a controvertida inaplicabilidade das regras do SFH aos contratos do SFI e a impossibilidade em aferir quando realmente se trata do primeiro financiamento pelo SFH para aquisição da casa própria.
Vez por outra mencionaremos a legislação do Espírito Santo, pois é onde militamos, e iniciaremos este ensaio abordando a questão da isenção heterônoma.
Vez por outra mencionaremos a legislação do Espírito Santo, pois é onde militamos, e iniciaremos este ensaio abordando a questão da isenção heterônoma.
II – DA QUESTÃO DA ISENÇÃO HETERÔNOMA
Os Serviços Notariais e de Registro, conforme preceitua a Constituição da República de 1988, são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público (art. 236, caput, CR/88).
Conforme o art. 3º, da Lei Federal n. 8.935/94, Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro.
No exercício dessa delegação, os titulares dos Serviços Notariais e de Registro contratam funcionários, os remuneram, recolhem impostos e contribuições sociais, além de custearem inúmeras outras despesas necessárias para manter em funcionamento as unidades notariais e registrais, sendo certo que a única fonte de custeio de que dispõem é a receita proveniente dos emolumentos que recebem pelos serviços prestados.
Esses emolumentos possuem a natureza jurídico-tributária de taxas, cabendo aos Estados e ao DF sobre eles legislar. Este é o entendimento já sedimentado pelo Excelso Supremo Tribunal Federal, dentre outros, nos julgamentos das Ações Diretas de Inconstitucionalidade ns. 1378-ES e 1444.
Estabelecendo o art. 236, § 2º, da CR/88, que lei federal editará normas gerais para a fixação dos emolumentos, temos que referida regulamentação veio por meio da Lei Federal n. 10.169/2000, que em seu art. 1º reafirmou a competência legislativa dos Estados e do DF para instituírem o tributo em exame.
Em momento anterior a esse panorama, foi editada a Lei Federal n. 6.941, de 14 de Setembro de 1981, que alterando a redação do art. 290, da Lei Federal n. 6.015/73, determinou que fossem reduzidos em 50% (cinqüenta por cento) os emolumentos devidos pelos atos relacionados com a primeira aquisição imobiliária para fins de moradia, financiada pelo SFH.
Por meio dessa lei, o governo federal transferiu para os serviços de registro de imóveis encargos de sua política social, sem criar, contudo, uma correspondente fonte de custeio ou forma de compensar a conseqüente perda de receita. Assim, fez o governo “cortesia com o chapéu alheio”.
Entende-se, porém, que essa norma não foi recepcionada pelo art. 151, III, da CR/88, o qual veda à União instituir isenções sobre tributos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. É consabido que o nosso sistema repele a figura chamada isenção heterônoma.
E assim é, porque em virtude da natureza tributária de que se revestem os emolumentos - taxas que são, conforme reconhecido pelo STF -, somente quem detém competência para criá-los e impô-los, igual competência teria para reduzi-los, aumentá-los ou deles isentar no pagamento.
No Espírito Santo, estado onde militamos na área jurídica e registral, essa questão foi enfrentada na esfera administrativa perante a Corregedoria Geral de Justiça e pelo Egrégio Conselho da Magistratura do TJ/ES, nos autos do Procedimento Administrativo n. 0830227, instaurado por provocação da Advocacia Geral da União.
Muito embora as normas acoimadas de inconstitucionais naquele procedimento fossem as dos arts. 1º e 2º, do Decreto-Lei n. 1.537/77, o Princípio aplicado naquele caso é aplicável ao caso da redução prevista pelo art. 290, da LRP. Em ambos, a União, através do Congresso Nacional, tratou de forma específica quanto a tributos que a ela compete tratar apenas em linhas gerais.
O Corregedor-Geral da Justiça, naquele procedimento administrativo, entendeu pela não recepção dos arts. 1º e 2º do Decreto-lei n. 1537/77, tendo em vista o disposto nos arts. 151, III, e 236, § 2º, da Carta Magna de 1988, senão vejamos sua decisão:
De uma análise detida dos autos, tem-se a questão da aplicabilidade ou da inaplicabilidade do Decreto-lei 1.537/77, que trata da isenção da União à exigência de emolumentos, prevista nos arts. 1º e 2º do referido Decreto, tendo em vista a interpretação sistemática dos arts. 151, III, e 236, § 2º, da Carta Magna de 1988.
Ao incursionar no mérito da questio, cumpre-se ressaltar o entendimento firmado pelo Pretório Excelso no sentido de que custas judiciais e emolumentos extrajudiciais, têm natureza tributária de taxa, não cabendo, portanto, à União, instituir-lhe isenções, como se observa nos seguintes julgados: [...]
Diante das jurisprudências supramencionadas, bem como em consonância com a fundamentação embasada pela própria oficiala, Sra. Taine Guilherme de Moreno, tenho que a esta assiste razão, no sentido da não recepção do Decreto-lei supracitado. Isso porque, o Decreto-lei n. 1.537/77, que trata da isenção da União ao pagamento das custas e emolumentos decorrentes dos serviços registrais prestados, não foi recepcionado pela atual Constituição Federal e, à guisa de conclusão, impõe-se que o governo federal não está autorizado a “conceder isenção sob tributo estadual”.
Nesse sentido, tem-se ainda o disposto no art. 24, IV, §§ 1º e 3º, da Constituição Federal, que à União, ao Estado-membro e ao Distrito Federal é conferida competência concorrente para legislar sobre custas dos serviços forenses, restringindo-se a competência da União, no âmbito dessa legislação concorrente, ao estabelecimento de normas gerais. Inexistindo estas, os Estados exercerão competência legislativa plena para atender suas peculiaridades.
Dessa forma, o Estado do Espírito Santo, com espeque na prerrogativa supracitada, instituiu a Lei n. 4.847/1993 – Regimento de Custas -, que fixa os valores dos emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.
Portanto, dessa competência concorrente, apenas ao Estado do Espírito Santo compete a isenção da comentada cobrança dos emolumentos, sendo vedado, portanto, à União, fazê-lo, sob pena de usurpação de competência de outra pessoa política, conforme entendimento doutrinário, retratado nas seguintes palavras do jurista Cretella Júnior: “... isenção é feita, na respectiva esfera, por lei estadual, lei municipal ou lei distrital; na área da União, por lei federal. Cada pessoa política tem competência para instituir isenção de tributo, em sua própria área. O contrário seria invasão indébita ou usurpação de competência de uma pessoa política na área de outra” (Comentários à Constituição Brasileira de 1988, vol. VII/3.587, 1993, Forense Universitária).
Corroborando o entendimento, trago à tona o disposto no art. 151, III, da Constituição Federal, que assim prescreve: [...]
Desta feita, pela leitura do dispositivo suso transcrito, pode-se concluir que somente o titular da competência tributária pode conceder isenção de tributo e, por via de conseqüência, lei federal que atribui isenção de tributo estadual, distrital ou municipal fora dos limites previstos pela Constituição Federal encontra-se revestida de inconstitucionalidade.
Nesse sentido, ao analisar questão semelhante, a Corregedoria Geral do Estado de São Paulo, decidiu que: [...]
Em sendo assim, diante dos fundamentos acima esposados e seguindo a mesma linha de entendimento, denota-se a inaplicabilidade, no caso em questão, do Decreto-lei 1.537/77 já que o mesmo não fora recepcionado pela Constituição Federal, cabendo, portanto, à União, o pagamento das custas e emolumentos decorrentes dos serviços prestados pelas serventias extrajudiciais.
Ante o exposto, despiciendas outras considerações, indefiro o pleito do requerente, haja vista a inaplicabilidade in casu do Decreto-lei n. 1.537/77.
Esse entendimento foi mantido em grau de recurso perante o Colendo Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, em acórdão cuja ementa é a seguinte:
EMENTA: CONSELHO DA MAGISTRATURA. SERVIÇO NOTARIAL E DE REGISTRO. EMOLUMENTOS: ISENÇÃO. NÃO RECEPÇÃO DO DECRETO-LEI N0 1.537/77 PELA CONSTITUIÇÃO VIGENTE. RECURSO IMPROVIDO.
1. Os emolumentos devidos aos serviços notariais e de registros são um tributo estadual e possuem a natureza jurídica de taxa.
2. Nos moldes do art. 151, inc. III, da Constituição Federal, somente a pessoa jurídica de direito público interno, à qual a Constituição atribui competência para instituir o tributo, é que pode conceder isenções. As exceções a essa regra estão expressamente previstas no texto constitucional.
3. Desse modo, não é permitido ao Poder Legislativo Federal estabelecer isenção da União ao pagamento das custas e emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro. O Decreto-lei no 1.537/77 não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988.
4. Ademais, a competência legislativa da União para legislar sobre normas gerais para fixação de emolumentos, prevista no art. 236, § 2º, da Constituição Federal, não lhe permite instituir isenções, uma vez que esta é uma questão específica.
5. Recurso conhecido, mas improvido.
Logo, a redução em 50% (cinqüenta por cento), em respeito ao texto constitucional, deve estar prevista na legislação dos Estados e do Distrito Federal, para fins de ser válida, uma vez que estes entes federados é que detém a competência legiferante não só para instituir o tributo, mas também suas hipóteses de isenção.
A questão atualmente encontra-se sendo discutida na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 194-DF, proposta pelo Presidente da República perante o STF.
Cabe então sempre fazer um confronto entre o art. 290, da Lei Federal n. 6.015/73 e a lei estadual ou distrital que rege a matéria. Tomaremos aqui como exemplo a Lei n. 4847/93 do Estado do Espírito Santo para fins de estudo, sendo sempre importante lembrar que cada Estado-Federado, assim como o Distrito Federal, possui sua própria lei de custas e emolumentos.
Inicialmente, verificamos que a lei estadual em questão congrega a hipótese de redução, porém, estabelecendo base de cálculo própria.
Sob essa perspectiva, o art. 290, da Lei Federal n. 6.015/73, quando confrontado com o disposto pela Lei n. 4847/93 do Estado do Espírito Santo, não pode prevalecer para fins de que a isenção englobe o valor total dos emolumentos, mas tão somente a parte financiada.
Vejamos então o que diz o art. 290, da LRP:
Art. 290. Os emolumentos devidos pelos atos relacionados com a primeira aquisição imobiliária para fins residenciais, financiada pelo Sistema Financeiro da Habitação, serão reduzidos em 50% (cinqüenta por cento).
Agora o que diz o item 144 da Tabela anexa à Lei n. 4847/83 do Espírito Santo:
144. Os valores constantes desta Tabela serão cobrados com redução de 50% (cinqüenta por cento) sobre a parcela financiada através do Sistema Financeiro da Habitação – SFH – ou operações de crédito hipotecário.
Pela sistemática da Lei Estadual, quanto maior o valor financiado, maior é o desconto, obedecendo-se uma proporcionalidade na qual o desconto acompanha o grau de necessidade do mutuário em relação ao financiamento. Em outras palavras: quem necessita financiar valor maior é porque dispõe de menos recursos próprios para dar como entrada no financiamento, e por conseqüência capacidade contributiva menor, fazendo jus a uma redução de emolumentos mais acentuada.
Trata-se de regra mais justa, mormente considerado o fato de que a redução dos emolumentos, conforme já informado, é suportada por um particular, e não pelo governo, e o que é pior: sem uma correspondente fonte de custeio.
Dentre os inúmeros argumentos que amparam aqueles que pretendem que sejam reconhecidos como recepcionados pela CR/88 os arts. 1º e 2º do Decreto-lei n. 1.537/77, encontra-se o de que o STF teria entendido, ao julgar a ADIN 1800/DF, ser possível à União estabelecer hipóteses isentivas com relacão a emolumentos.
Com respeito àqueles que assim pensam, ousamos discordar. O caso tratado na ADIN 1800/DF difere daquele previsto no Decreto-lei n. 1.537/77, daquele previsto no art. 290 da LRP e de todos os outros benefícios concedidos à sociedade pelos recentes programas sociais do governo, o que será abordado logo a seguir.
Com respeito àqueles que assim pensam, ousamos discordar. O caso tratado na ADIN 1800/DF difere daquele previsto no Decreto-lei n. 1.537/77, daquele previsto no art. 290 da LRP e de todos os outros benefícios concedidos à sociedade pelos recentes programas sociais do governo, o que será abordado logo a seguir.
III – DA QUESTÃO TRATADA NA ADInMC 1800/DF
A Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.800/DF, proposta pela Associação de Notários e Registradores do Brasil - ANOREG-BR, teve por objeto o pedido de declaração de inconstitucionalidade dos arts. 1º, 3º e 5º, da Lei Federal n. 9.534/97, que, com supedâneo no inciso LXXVII do art. 5º da CF/88, cuidou da gratuidade prevista aos reconhecidamente pobres no inciso anterior daquele mesmo artigo.
Costuma argumentar a União, em seu favor, e equivocadamente, que no julgamento da ADInMC n. 1.800/DF o E. STF teria reconhecido a possibilidade de lei federal estabelecer hipóteses de isenção do recolhimento de emolumentos.
É incorreta a afirmativa, pois a decisão proferida na ADInMC n. 1.800/DF encontra limites bem definidos. Naquela ação o STF tratou de uma situação muito específica, qual seja: a isenção no pagamento de emolumentos pelos atos necessários ao exercício da cidadania, que encontra supedâneo constitucional no art. 5º, inciso LXXVII, in fine, da Carta Magna:
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[omissis]
LXXVI - são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da lei:
LXXVII – São gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data, e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania.
Sabe-se que apenas a Constituição pode excepcionar as suas próprias regras, sendo que o fundamento de validade da lei federal que disciplina a gratuidade do registro civil, assim entendido como ato necessário ao exercício da cidadania, encontra amparo na regra constitucional acima indicada.
Tendo em vista expressa disposição constitucional prevista no art. 5º, inciso LXXVII, a Lei Federal n. 9.534/97, através de seu art. 1º, alterou o art. 30 da Lei Federal n. 6.015/73, que passou a conter a seguinte redação:
Art. 30 - Não serão cobrados emolumentos pelo registro civil de nascimento e pelo assento de óbito, bem como pela primeira certidão respectiva.
§ 1º Os reconhecidamente pobres estão isentos de pagamento de emolumentos pelas demais certidões extraídas pelo cartório de registro civil.
§ 2º O estado de pobreza será comprovado por declaração do próprio interessado ou a rogo, tratando-se de analfabeto, neste caso, acompanhada da assinatura de duas testemunhas.
§ 3º A falsidade da declaração ensejará a responsabilidade civil e criminal do interessado.
A Lei Federal n. 9.534/97 também alterou, através de seu art. 3º, o art. 1º da Lei Federal n. 9.265/96, que assim ficou redigido:
Lei Federal n. 9.265/96
Art 1º - São gratuitos os atos necessários ao exercício da cidadania, assim considerados:
[...]
VI - O registro civil de nascimento e o assento de óbito, bem como a primeira certidão respectiva.
E através de seu art. 5º, alterou o art. 45 da Lei Federal n. 8.935/94, que assim passou a dispor:
Lei Federal n. 8.935/94
Art. 45 - São gratuitos os assentos do registro civil de nascimento e o de óbito, bem como a primeira certidão respectiva.
Parágrafo único. Para os reconhecidamente pobres não serão cobrados emolumentos pelas certidões a que se refere este artigo
A ADIN n. 1.800, proposta pela ANOREG-BR, foi julgada improcedente, tendo o E. STF reconhecido a constitucionalidade dos arts. 1º, 3º e 5º, da Lei Federal n. 9.534/97, contudo, em respeito ao princípio da continuidade da prestação do serviço público, embora o ato seja gratuito em favor de seu beneficiário, foi criado um fundo de compensação.
A determinação da criação desse fundo encontra-se na Lei Federal n. 10.169/00, que regulamentou o § 2º do art. 236 da CF/88. Esse estatuto, ao estabelecer normas gerais para a fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro, determinou em seu art. 8º que os Estados e o Distrito Federal deverão instituir forma de compensação aos registradores civis das pessoas naturais, pelos atos gratuitos por eles praticados:
Lei Federal n. 10.169/00
Art. 8º - Os Estados e o Distrito Federal, no âmbito de sua competência, respeitado o prazo estabelecido no art. 9º desta Lei, estabelecerão forma de compensação aos registradores civis das pessoas naturais pelos atos gratuitos, por eles praticados, conforme estabelecido em lei federal.
Parágrafo único. O disposto no caput não poderá gerar ônus para o Poder Público.
No caso dos Oficiais de Registro Civil de Pessoas Naturais do Estado do Espírito Santo, o Fundo que os remunera é o FARPEN, criado pela Lei Estadual n. 6.670. Os fundos criados pelos Estados até então se mostraram insuficientes para suprir a perda de receita sofrida pelos Registros Civis.
O caso tratado na ADInMC n. 1800/DF, que declarou constitucionais os arts. 1º, 3º e 5º da Lei Federal n. 9.534/97, os quais estabelecem a gratuidade do registro civil de nascimento e o de óbito, e a primeira certidão a eles relativa, trata de situação diversa. A gratuidade versada na Lei n. 9.534/97 encontra seu fundamento de validade no art. 5º, inc. LXXVII, da Constituição da República Federativa de 1988, o que não acontece com a redução prevista no art. 290, da LRP.
Logo, a Lei Federal somente pode criar hipótese de gratuidade sobre emolumentos cobrados pelos serviços notariais e de registro quando expressamente autorizada pela Constituição da República de 1988, e isso em respeito à regra do art. 151, III, da própria Carta Constitucional, pois a somente a Constituição pode excepcionar as suas próprias regras.
Para os Registros de Imóveis, ao contrário do que ocorre com os registros civis de pessoas naturais, não existe nenhuma fonte de custeio para fins de financiar os atos praticados gratuitamente. Os Registradores Imobiliários devem cobrar emolumentos pelos atos praticados, sendo que é apenas e tão somente com referida arrecadação que poderão manter a dinâmica de seus serviços. Não existe nenhum fundo de amparo.
Com efeito, conclui-se pela constitucionalidade da gratuidade universal para registros de nascimento e de óbito estabelecida pela Lei n. 9.534/97, sob o fundamento de que o art. 5º, LXXXVI, da Constituição Federal estabelece um mínimo necessário para atos relacionados com a cidadania, e que esta poderia ser universalizada sem malferimento do texto constitucional
A Lei n. 9.265/96, que estabelece os atos necessários ao exercício da cidadania é nitidamente voltada para o cidadão brasileiro, eleitor, pessoa física, em face do Poder Público, já que trata de soberania popular, alistamento militar, defesa ou denúncia de irregularidades na órbita pública, impugnação a mandato eletivo e garantias individuais.
Art. 1º São gratuitos os atos necessários ao exercício da cidadania, assim considerados:
I – os que capacitam o cidadão ao exercício da soberania popular, a que se reporta o art. 14 da Constituição;
II – aqueles referentes ao alistamento militar;
III – os pedidos de informações ao poder público, em todos os seus âmbitos, objetivando a instrução de defesa ou a denúncia de irregularidades administrativas na órbita pública;
IV – as ações de impugnação de mandato eletivo por abuso do poder econômico, corrupção ou fraude;
V – quaisquer requerimentos ou petições que visem as garantias individuais e a defesa do interesse público.
VI – O registro civil de nascimento e o assento de óbito, bem como a primeira certidão respectiva. (incluído pela Lei n. 9.534, de 1997)
Logo, o que foi decidido na ADInMC n. 1800/DF não estende seus efeitos aos emolumentos dos Serviços de Registros de Imóveis.
IV – DA NECESSÁRIA COMPENSAÇÃO E FONTE DE CUSTEIO
Preocupante são as políticas que criam descontos e gratuidades sobre os Serviços Notariais e Registrais sem a correspondente criação de uma forma de compensação que efetivamente mantenha a arrecadação das serventias, que necessariamente devem ser bem remuneradas por seus serviços.
Nossa experiência tem mostrado que muito embora os Serviços Notariais e Registrais tragam o velho estigma do “cartório”, um lugar que ninguém gosta de ir e somente vai por ser obrigado, por que é caro, também existe um outro lado da moeda.
O mesmo usuário que reclama do preço e da burocracia dos Serviços Notariais e de Registro, não nega neles depositar uma enorme confiança.
E a confiança depositada nos Notários e Registradores advém do sistema de responsabilidades que lhes é dispensado. Estão sujeitos à responsabilização nas esferas penal, civil e administrativa, podendo perder a serventia pelo menor deslize. As regras são rígidas e isso faz com que os serviços sejam desempenhados com extremo zelo, o que proporciona uma enorme segurança jurídica.
É certo que sem uma receita adequada não terão condições de exercer a delegação com qualidade, sendo certo que a experiência da estatização desses serviços não teve resultados positivos. Um exemplo é a Bahia, que teve determinação para obedecer a CR/88 e realizar concurso público.
Não bastasse ir contra ao que diz o bom senso, o estabelecimento de gratuidades e reduções sem a criação de uma correspondente fonte de custeio também vai contra o que dispõem os seguintes dispositivos de lei: art. 28, da Lei Federal n. 8.935/94; art. 1º da Lei Federal n. 10.169/00; art. 4º da Lei n. 8.112/90 e art. 14, II, da Lei Complementar n. 101/2000.
A Lei Federal n. 8.935/94, posterior à Lei Federal n. Lei Federal n. 6.941/81, estabelece em seu art. 28 que os notários e oficiais de registro têm direito à percepção dos emolumentos integrais pelos atos praticados na serventia, senão vejamos:
Art. 28. Os notários e oficiais de registro gozam de independência no exercício de suas atribuições, têm direito à percepção dos emolumentos integrais pelos atos praticados na serventia e só perderão a delegação nas hipóteses previstas em lei.
O Parágrafo único do art. 1º, da Lei Federal n. 10.169/00, que regulamenta o §2º, do art. 236 da CR/88, estabelece que o valor fixado para os emolumentos deverá corresponder ao efetivo custo e à adequada e suficiente remuneração dos serviços prestados:
Art. 1º Os Estados e o Distrito Federal fixarão o valor dos emolumentos relativos aos atos praticados pelos respectivos serviços notariais e de registro, observadas as normas desta Lei.
Parágrafo único. O valor fixado para os emolumentos deverá corresponder ao efetivo custo e à adequada e suficiente remuneração dos serviços prestados.
O art. 4º, da Lei n. 8.112/90, proíbe expressamente a prestação de serviços gratuitos, salvo os casos previstos em lei, tais como professor voluntário, o que não é o caso. Vide a letra da lei:
Art. 4º É proibida a prestação de serviços gratuitos, salvo os casos previstos em lei.
E o art. 14, II, da Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei Complementar n. 101/2000, coloca uma verdadeira pá de cal sobre o assunto, ao condicionar a concessão de isenção à previsão de mecanismos de compensação pela perda da receita:
Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:
[...]
II - Estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento da receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributos ou contribuição.Com relação ao dispositivo acima transcrito, forçoso aqui destacar que se mesmo no que se refere à receita pública, há preocupação com a fonte de custeio das atividades, com maior razão deve haver tratamento muito mais cuidadoso no que se refere aos emolumentos remuneratórios de serviços exercidos em caráter privado. Serviços públicos submetidos a concessão e permissão, quando devem ser prestados gratuitamente, são amparados pelo re-equilíbrio econômico-financeiro do contrato, o que não se aplica aos emolumentos previstos em rígida Tabela fixada por lei estadual.
Sob esse aspecto, é possível sustentar que a redução de emolumentos prevista no art. 290, da LRP, teria sido inclusive tacitamente revogada pelos dispositivos de lei anteriormente referidos, tendo em vista com eles se mostrar incompatível.
V – DA INAPLICABILIDADE DAS REGRAS DO SFH AO SFI
Outra questão controvertida quanto ao desconto previsto no art. 290, da LRP, é aquela relativa aos contratos firmados no âmbito do SFH, mas que contenham alienação fiduciária em garantia. Alguns entendem que quanto a estes não se estenderia o desconto, por força do art. 39, I, da Lei Federal n. 9.514/97:
Lei Federal n. 9.514/97
Art. 39. Às operações de financiamento imobiliário em geral a que se refere esta Lei:
I – não se aplicam as disposições da Lei n. 4.380, de 21 de agosto de 1964, e as demais disposições legais referentes ao Sistema Financeiro da Habitação – SFH.
Cabe informar a existência de entendimento pretoriano quanto ao tema:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONTRATO DE FINANCIAMENTO HABITACIONAL PELO SISTEMA FINANCEIRO IMOBILIÁRIO. SFI. IMÓVEL NÃO GRAVADO POR HIPOTECA. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. EMOLUMENTOS REDUZIDOS. ART. 290, DA LRP. IMPOSSIBILIDADE. DECISÃO REFORMADA. AGRAVO PROVIDO. 1. O contrato de compra e venda e mútuo com obrigações e alienação fiduciária é regido pelas normas do Sistema Financeiro Imobiliário SFI, não se aplicando, portanto, as regras referentes ao Sistema Financeiro da Habitação SFH, nos termos do art. 39, da Lei Federal n. 4380/64; 2. As aquisições imobiliárias, para fins residenciais, adquiridas com recursos do Sistema Financeiro Imobiliário SFI, nos moldes da alienação fiduciária, não faz jus à redução de emolumentos, nos termos do art. 290, da Lei de Registros Públicos; 3. Decisão reformada; 4.Recurso conhecido e provido. (TJCE; AL-PESusp 2008.0020.8203-5/0; Quarta Câmara Cível; Rel. Des. Francisco Lincoln Araújo e Silva; DJCE 28/10/2009)
Algumas unidades de registro de imóveis pelo país concedem a redução apenas quando o contrato tratar do primeiro financiamento pelo SFH para aquisição da primeira moradia e desde que a garantia seja hipotecária.
Para Melhim Namem Challub, em artigo publicado no BDI n. 34, páginas 25/26, a garantia do contrato, seja fiduciária ou seja hipotecária, é irrelevante para fins de concessão ou não da redução, sendo determinante apenas saber se o caso é ou não de primeiro financiamento da casa própria através do SFH:
[...] A Lei 9.514/1997 estabelece as condições gerais do sistema de financiamento imobiliário (SFI) e regulamenta a alienação fiduciária de bens imóveis; nas disposições finais, diz o art. 39 que as normas da Lei 4.380/1964 (que criou o SFH) não se aplicam às operações de financiamento em geral (que são objeto da Lei 9.514/97); partindo da premissa de que o desconto previsto no art. 290 da LRP destina-se à primeira aquisição “financiada pelo SFH”, mas considerando que a alienação fiduciária foi regulamentada pela mesma Lei 9.514/1997, argumenta-se que o cidadão não teria direito ao desconto de 50% dos emolumentos se a aquisição da primeira moradia, embora financiada pelo SFH, seja contratada com garantia fiduciária.
A premissa é falsa e a conclusão, insustentável.
Como se sabe, o sistema de garantias reais é composto não só pelas espécies definidas no Código Civil, mas também por inúmeras outras espécies criadas por leis esparsas. Todas essas garantias reais são de aplicação geral, só se admitindo restrição se a lei restringir expressamente.
A alienação fiduciária de bens imóveis é uma das garantias instituídas por lei especial, a Lei 9.514/97, que dispõe, também, sobre as operações do SFI. Essa lei é composta por dois conjuntos de normas, um deles dispondo sobre a estrutura operacional do SFI e outro regulamentando a alienação fiduciária.
Esses conjuntos são enunciados em dois capítulos distintos, independentes, e a independência das normas sobre a garantia fiduciária deflui claramente da leitura do § 1º do art. 22 da Lei 9.514, que “desloca” essa garantia da estrutura do SFI, liberando sua aplicação para além dos limites do SFI, nos seguintes termos: § 1º A alienação fiduciária poderá ser contratada por pessoa física ou jurídica, não sendo privativa das entidades que operam no SFI, podendo ter como objeto, além da propriedade plena: ...”
A alienação fiduciária, portanto, não é exclusividade do SFI, e seu campo de aplicação veio a ser ampliado ainda mais pela Lei 10.931/2004, que permite seu emprego para garantia das obrigações em geral, abrangendo, obviamente, também os contratos de aquisição da primeira moradia a que se refere o art. 290 da LRP. Veja-se o disposto no art. 51 da Lei 10.931/2004: “Art. 51. Sem prejuízo das disposições do Código Civil, as obrigações em geral também poderão ser garantidas, inclusive por terceiros, por cessão fiduciária de direitos creditórios decorrentes de contratos de alienação de imóveis, por caução de direitos creditórios ou aquisitivos decorrentes de contratos de venda ou promessa de venda de imóveis e por alienação fiduciária de coisa imóvel.”
Efetivamente, a alienação fiduciária é tão somente um contrato de garantia, tal como o é a hipoteca, a anticrese, o penhor, a caução de direitos aquisitivos, entre outros contratos de garantia.
O emprego de uma ou outra dessas garantias não descaracteriza um contrato do SFH e, portanto, não retira o direito de desconto assegurado por lei.
No que tange à alienação fiduciária, embora regulamentada na chamada Lei do SFI, suas disposições encontram-se em capítulo independente, que colocam esse contrato de garantia no sistema de garantias reais do direito positivo brasileiro, do mesmo modo que outras garantias regulamentadas por outras leis especiais, como são os casos da caução de direitos creditórios ou aquisitivos e a cessão fiduciária de créditos; essas garantias são, todas elas, aplicáveis a quaisquer operações, não havendo razão alguma para afastar sua aplicação nos financiamentos de aquisição da primeira moradia.
Anote-se, por relevante, que a lei que regulamentou a alienação fiduciária de imóveis estendeu seu campo de aplicação a todo e qualquer negócio, nada justificando que, por interpretação isolada do art. 39 da Lei 9.514/1997, se prejudique exatamente o cidadão que adquiriu sua primeira moradia, pelo simples fato de a entidade do SFH ter utilizado a garantia fiduciária.
A par da hermenêutica constitucional, que necessariamente orienta a interpretação de todo o sistema legislativo, as regras mais elementares de hermenêutica não admitem a interpretação isolada de determinado dispositivo, como é o caso do art. 39 da Lei 9.514/1997.
O objeto do art. 39 são as normas relativas às condições operacionais dos financiamentos, sobretudo aquelas enunciadas no art. 5º da Lei 9.514/97, que permite às partes pactuar livremente as condições do financiamento, a taxas de mercado; o art. 39 afasta a possibilidade de livre pactuação nas operações do SFH e visa reafirmar que essas continuam tendo suas taxas tabeladas e seguindo a regulamentação ditada pelo Banco Central, notadamente em relação à aplicação de recursos captados mediante depósitos de poupança; é somente esse o sentido do art. 39 da Lei 9.514/97: a reafirmação da aplicação das normas operacionais do Banco Central às operações do SFH, e não a inviabilização do emprego da garantia fiduciária.
Ora, a concessão de um financiamento do SFH com garantia fiduciária não importa em aplicação de normas do SFI, mas apenas de contratação de alienação fiduciária, cujas normas são independentes das normas específicas do SFI e integram o sistema de garantias do direito positivo, aplicável para qualquer obrigação, seja pecuniária ou não, do SFH, do SFI, de operações bancárias ou entre particulares, tal como dispõe o art. 51 da Lei 10.931/2004.
Além de tudo isso, importa atentar para o objeto do art. 290 da LRP, que são os “atos relacionados com a primeira aquisição”, que pode ter como garantia a hipoteca, a propriedade fiduciária ou qualquer outra garantia real.
Assim, pouco importando se a garantia do financiamento é a hipoteca ou a propriedade fiduciária, mas se se trata de aquisição da primeira moradia, o mutuário faz jus ao desconto de 50% dos emolumentos.
Em suma, o ato que assegura o desconto é o de aquisição da primeira moradia, quaisquer que sejam os contratos utilizados para esse fim, seja compra e venda com pacto adjeto de hipoteca, compra e venda com pacto adjeto de alienação fiduciária, promessa de compra e venda, cessão de direitos aquisitivos ou, enfim, qualquer espécie de contrato cuja função seja a compra da primeira moradia, pouco importando a garantia oferecida pelo tomador do financiamento.
Temos que razão assiste a esta última corrente, pois a alienação fiduciária não transmuda a natureza do contrato ou o qualifique como tendo sido firmado no âmbito do SFI. Não é a garantia do contrato que ditará a aplicação das regras do SFH ou do SFI, mas sim a origem dos recursos, cabendo tecer aqui uma breve retrospectiva histórica quanto à origem do SFH, o seu papel social e a origem dos seus recursos.
O SFH, braço do Sistema Financeiro Nacional, foi criado para centralizar a Política Habitacional do Governo, nacionalmente, direcionado, sobretudo, para proporcionar acesso a crédito para aquisição de imóveis e combater o déficit habitacional que aflige a população brasileira, agravada com a explosão demográfica e o êxodo rural.
O sistema encontra substrato legal na Lei Federal n. 4.380/64, que em seus artigos 1º, 8º, 9º, 16, 60 e 61, assim dispõe:
Art. 1º O Governo Federal, através do Ministério de Planejamento, formulará a política nacional de habitação e de planejamento territorial, coordenando a ação dos órgãos públicos e orientando a iniciativa privada no sentido de estimular a construção de habitações de interesse social e o financiamento da aquisição da casa própria, especialmente pelas classes da população de menor renda.
[...]
Art. 8º O sistema financeiro da habitação, destinado a facilitar e promover a construção e a aquisição da casa própria ou moradia, especialmente pelas classes de menor renda da população, será integrado. (Redação dada pela Lei n. 8.245, de 1991)
Art. 9º Todas as aplicações do sistema, terão por objeto, fundamentadamente a aquisição de casa para residência do adquirente, sua família e seus dependentes, vedadas quaisquer aplicações em terrenos não construídos, salvo como parte de operação financeira destinada à construção da mesma.
[...]
Art. 16. Fica criado, vinculado ao Ministério da Fazenda, o Banco Nacional da Habitação (BNH), que terá personalidade jurídica de Direito Público, patrimônio próprio e autonomia administrativa, gozando de imunidade tributária.
[...]
Art. 60. A aplicação da presente lei, pelo seu sentido social, far-se-á de modo a que sejam simplificados todos os processos e métodos pertinentes às respectivas transações, objetivando principalmente:
I – o maior rendimento dos serviços e a segurança e rapidez na tramitação dos processos e papéis;
II – economia de tempo e de emolumentos devidos aos Cartórios;
III – simplificação das escrituras e dos critérios para efeito do Registro de Imóveis.
Art. 61. Para plena consecução do disposto no artigo anterior, as escrituras deverão consignar exclusivamente as cláusulas, termos ou condições variáveis ou específicas.
§ 1º As cláusulas legais, regulamentares, regimentais ou, ainda, quaisquer normas administrativas ou técnicas e, portanto, comuns a todos os mutuários não figurarão expressamente nas respectivas escrituras.
Portanto, resta claro que o SFH possui caráter social direcionado à promoção de políticas públicas na área de habitação, notadamente através de facilitação do acesso ao crédito, bem como da economia no tocante a taxas, encargos, emolumentos, tempo e procedimentos.
No mesmo ano da criação do SFH, foi publicada a Lei n. 4.595/64, núcleo do Sistema Financeiro Nacional, de cuja leitura vê-se que as instituições financeiras de natureza publicística nada mais são do que os tentáculos através dos quais o Governo executa sua política de crédito, conforme preconizado pelo artigo 22 da referida lei:
Art. 22. As instituições financeiras públicas são órgãos auxiliares da execução da política de crédito do Governo Federal.
No ano de 1986, o BNH, então gestor do SFH, foi extinto e sucedido pela Caixa Econômica Federal em todos os seus direitos e obrigações, o que inclui a gestão de recursos destinados à construção de moradias, por força do Decreto-lei n. 2.291/86:
Art. 1º É extinto o Banco Nacional da Habitação – BNH, empresa pública de que trata a Lei número 5.762, de 14 de dezembro de 1971, por incorporação à Caixa Econômica Federal – DEF.
§ 1º A CEF sucede ao BNH em todos os seus direitos e obrigações, inclusive:
a) na administração, a partir da data de publicação deste Decreto Lei, do ativo e passivo, do pessoal e dos bens móveis e imóveis;
b) na gestão do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, do Fundo de Assistência Habitacional e do Fundo de Apoio à Produção de Habitação para a População de Baixa Renda;
c) na coordenação e execução do Plano Nacional de Habitação Popular – PLANHAP e do Plano Nacional de Saneamento Básico – PLANASA, observadas as diretrizes fixadas pelo Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente;
No que tange ao emprego de recursos do FGTS nas operações de créditos tendentes a alimentar o financiamento habitacional, encontra ele o seu permissivo legal na Lei n. 8.036/90, que também versou quanto às diretrizes de orientação das atividades a serem exercidas pelo seu Conselho Curador:
Art. 1º O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), instituído pela Lei n. 5.107, de 13 de setembro de 1966, passa a reger-se por esta lei.
[...]
Art. 5º Ao Conselho Curador do FGTS compete:
I - estabelecer as diretrizes e os programas de alocação de todos os recursos do FGTS, de acordo com os critérios definidos nesta lei, em consonância com a política nacional de desenvolvimento urbano e as políticas setoriais de habitação popular, saneamento básico e infra-estrutura urbana estabelecidas pelo Governo Federal;
[...]
VI - dirimir dúvidas quanto à aplicação das normas regulamentares, relativas ao FGTS, nas matérias de sua competência;
Art. 7º À Caixa Econômica Federal, na qualidade de agente operador, cabe:
[...]
III - definir os procedimentos operacionais necessários à execução dos programas de habitação popular, saneamento básico e infra-estrutura urbana, estabelecidos pelo Conselho Curador com base nas normas e diretrizes de aplicação elaboradas pelo Ministério da Ação Social;
Art. 9º As aplicações com recursos do FGTS poderão ser realizadas diretamente pela Caixa Econômica Federal e pelos demais órgãos integrantes do Sistema Financeiro da Habitação – SFH, exclusivamente segundo critérios fixados pelo Conselho Curador do FGTS, em operações que preencham os seguintes requisitos:
I - Garantias:
a) hipotecária;
b) caução de Créditos hipotecários próprios, relativos a financiamentos concedidos com recursos do agente financeiro;
c) caução dos créditos hipotecários vinculados aos imóveis objeto de financiamento;
d) hipoteca sobre outros imóveis de propriedade do agente financeiro, desde que livres e desembaraçados de quaisquer ônus;
e) cessão de créditos do agente financeiro, derivados de financiamentos concedidos com recursos próprios, garantidos por penhor ou hipoteca;
f) hipoteca sobre imóvel de propriedade de terceiros;
g) seguro de crédito;
h) garantia real ou vinculação de receitas, inclusive tarifárias, nas aplicações contratadas com pessoa jurídica de direito público ou de direito privado a ela vinculada;
i) aval em nota promissória;
j) fiança pessoal;
l) alienação fiduciária de bens móveis em garantia;
m) fiança bancárias;
n) outras, a critério do Conselho Curador do FGTS;
[...]
Art. 20. A conta vinculada do trabalhador no FGTS poderá ser movimentada nas seguintes situações:
[...]
V - pagamento de parte das prestações decorrentes de financiamento habitacional concedido no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), desde que:
a) o mutuário conte com o mínimo de 3 (três) anos de trabalho sob o regime do FGTS, na mesma empresa ou em empresas diferentes;
b) o valor bloqueado seja utilizado, no mínimo, durante o prazo de 12 (doze) meses;
c) o valor do abatimento atinja, no máximo, 80 (oitenta) por cento do montante da prestação;
VI - liquidação ou amortização extraordinária do saldo devedor de financiamento imobiliário, observadas as condições estabelecidas pelo Conselho Curador, dentre elas a de que o financiamento seja concedido no âmbito do SFH e haja interstício mínimo de 2 (dois) anos para cada movimentação;
VII - pagamento total ou parcial do preço da aquisição de moradia própria, observadas as seguintes condições:
a) o mutuário deverá contar com o mínimo de 3 (três) anos de trabalho sob o regime do FGTS, na mesma empresa ou empresas diferentes;
b) seja a operação financiável nas condições vigentes para o SFH;
Inequívoca, portanto, a intimidade que permeia a relação existente entre o FGTS e o SFH.
No que tange às modalidades de garantias, conquanto não haja previsão expressa da “alienação fiduciária de bem imóvel” no rol das modalidades de garantia que podem ser emprestadas aos contratos de financiamento que utilizam recursos do Fundo de Garantia, é certo que há possibilidade de previsão de “outras garantias, a critério do Conselho Curador do FGTS”.
Regulamentando o dispositivo inscrito no art. 9º, I, n, supra o Conselho Curador do FGTS autorizou a utilização da alienação fiduciária de bem imóvel, através da Resolução de n. 435, de 16 de dezembro de 2003, como modalidade de garantia para operações de crédito com recurso do SFH.
Dessa forma, a partir da edição desse ato normativo, o agente financeiro recebeu autorização para atribuir essa ferramenta de securitização aos contratos de financiamento habitacional celebrados no âmbito do SFH, passando a ser modalidade de garantia passível de ser utilizada tanto nos contratos do SFI como do SFH.
A pura e simples hipótese de celebração de contrato de financiamento habitacional pela garantia fiduciária de bem imóvel, de per si, não coloca o negócio jurídico sob a égide do SFI, afastando a aplicação das normas relativas ao SFH.
A doutrina é tímida sobre o assunto, contudo corrobora o entendimento ora perfilhado. Senão vejamos:
Há dois sistemas que regem os financiamentos imobiliários no Brasil. O Sistema Financeiro de Habitação (SFH) – o mais antigo deles, criado ainda na década de 60 – passou pelos mais diversos ambientes econômicos, ultrapassando momentos de mega-inflação alternados com períodos de relativa estabilidade monetária. Tal volatilidade do ambiente econômico fez com que este sistema sucumbisse às adversidades, sofrendo diversas perdas decorrentes de políticas mal formuladas, chegando à situação de completo desgaste na qual se encontra atualmente.
As políticas voltadas para o setor imobiliários ditadas pelo SFH, foram calcadas sobre fontes ou de financiamento público ou altamente regulamentadas, além de serem escassas e incompatíveis com os prazos pertinentes ao segmento, sem citar as demais condições de contratação. A lei n. 9514/97 instituiu o Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), com uma mentalidade mais moderna e adaptada às condições atuais, introduzindo a alienação fiduciária de bens imóveis. A grande inovação deste sistema é a intenção de integrar os mercados financeiros primário (originador dos contratos hipotecários) e secundário (onde são negociadas as apólices resultantes do processo de securitização). O efeito pretendido é liberar os recursos financeiros correspondentes ao financiamento da construção no menor intervalo de tempo possível, de modo a acelerar o processo de produção na construção civil. (...)
O sistema de financiamento imobiliário: legislação e características principais.
São três os negócios jurídicos principais que caracterizam a operação de securitização, administrada pelo SFI: (a) a compra e venda de um imóvel novo com financiamento (entre o mutuário e o incorporador, com o financiamento realizado por uma agência de originação); (b) a cessão dos créditos originados neste financiamento (entre a agência originadora e a companhia de securitização); e (c) a emissão e distribuição de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) no mercado de valores mobiliários (entre a companhia securitizadora e os investidores). Nota-se aqui que “há uma operação de crédito, uma operação financeira e uma operação mobiliária, cada qual sujeita a uma regulação jurídica específica, mas que ao final, aparentemente, formam um só negócio jurídico, entre partes que não se relacionam diretamente, mas que precisam compartilhar um contrato e sua disciplina”.
A questão é saber entre quem são estabelecidos os vínculos obrigacionais, de modo a tornar nítido o cumprimento dos contratos e a evitar as pendências judiciais longas que venham a inviabilizar (ou onerar) o processo de transferência de crédito. Ao examinar com mais detalhes cada um dos negócios que compõe o processo de securitização, podemos desvendar melhor a questão. Dada a necessidade essencial dos negócios de renda fixa – que é a confiança no recebimento dos créditos por eles representados quando da compra dos títulos - o SFI seria inviável caso não houvesse garantias, ainda que parciais, do cumprimento do fluxo de caixa estipulado no caso de inadimplência do mutuário. A legislação, mesmo não obrigando a contratação de tal garantia, a faculta, o que é primordial ao funcionamento do sistema.
Um dos princípios básicos do SFI é a liberdade dos termos de contratação do financiamento estipulados entre as partes. Desta forma, nenhuma cláusula é previamente estipulada pela lei ou por qualquer outro regulamento oficial. Entretanto, o SFI enumera as condições necessárias de contratação das operações de financiamento imobiliário: pagamento integral do principal emprestado mais os encargos estipulados no contrato, capitalização dos juros e a contratação, pelo mutuário, de seguros contra riscos de morte e invalidez. (...)” (CARNEIRO, Dionísio Dias e VALPASSOS, Marcus Vinicius Ferrero – Financiamento à Habitação e Instabilidade Econômica – experiências passadas, desafios e propostas para a ação futura – FGV editora – 1ª edição, s003)
Por fim, outra questão recorrente na prática e que tem gerado muita discussão é o da comprovação dos requisitos necessários para a concessão da redução.
VI – DA COMPROVAÇÃO DA CONDIÇÃO PARA A CONCESSÃO DA REDUÇÃO DE 50%
Condição para a obtenção da redução, pelo menos no Espírito Santo, onde militamos, é a necessária declaração, por parte do mutuário, de que se trata de aquisição da primeira moradia financiada através do SFH.
Sendo possível financiar a aquisição de imóveis pelo SFH por mais de uma vez, deve-se sempre atentar para o fato de que a redução somente é aplicável quando se tratar da primeira aquisição para fins de moradia, não sendo permitido lançar mão da mesma benesse por mais de uma vez.
Não raro, era possível - como ainda é -, especular em negócios firmados no âmbito do SFH, promovendo-se a compra e venda de imóveis com dinheiro disponibilizado por esse sistema a juros consideravelmente mais baixos que os de mercado, não para o fim de moradia, mas para o de investimento.
Os Serviços de Registro de Imóveis não possuem meios de saber se o caso trata ou não da hipótese agraciada pelo benefício legal, senão a pesquisa que podem fazer em seus arquivos para verificar se a mesma pessoa já financiou outro imóvel na circunscrição. Contudo, o país é grande.
No objetivo de sanar o problema, a Corregedoria de Justiça do TJ/PE e a CEF firmaram um convênio. Por meio dele, a CEF se comprometeu a realizar uma pesquisa junto ao banco de dados do SFH sempre que firmar um financiamento habitacional por meio desse sistema. O resultado da pesquisa integra uma declaração que é entregue para o mutuário apresentar juntamente com o seu contrato ao Serviço de Registro de Imóveis:
Um convênio firmado na terça-feira (15/02) entre a Corregedoria Geral da Justiça (CGJ) do Ceará e a Caixa Econômica Federal (CEF) promete facilitar a vida daqueles que pretendem financiar o primeiro imóvel residencial. A CEF fornecerá uma declaração atestando se aquele é realmente o primeiro imóvel a ser adquirido com recursos do Sistema Financeiro da Habitação (SFH). Em caso afirmativo, a pessoa terá automaticamente direito a um desconto de 50% nos emolumentos cartorários que acompanham esse tipo de transação. [...] O juis corregedor dos Cartórios da Capital, Sérgio Paulo Ribeiro, explica que isto acontece tanto pelo desconhecimento da lei, quanto pela dificuldade em se comprovar junto aos cartórios de que realmente se trata da primeira aquisição imobiliária. Além da assinatura do convênio, também foi assinado pelo corregedor gera da Justiça, desembargador Bartolomeu Bueno, o provimento de número 5/2011, que orienta os cartórios sobre a obrigatoriedade da concessão do desconto quando ficar comprovado que se trata do primeiro imóvel adquirido através do SFH. O Superintendente da CEF em Recife, Pedro Santiago, destaca os benefícios dessa parceria para os mutuários: “Essa declaração, que será fornecida no ato do contrato, poupará tempo e dinheiro aos clientes, que não precisarão arcar com nenhum custo para comprovar que se trata do primeiro financiamento da casa própria”. A Corregedoria vai orientar os cartórios para que deixem à vista cartazes ou adesivos mostrando a tabela de custas e demais informações necessárias. “A CEF se propôs a fornecer essa declaração, sem nenhum ônus para o adquirente. Vamos tentar divulgar ao máximo essa iniciativa, e já estamos traçando medidas para viabilizar esse objetivo”, explica o corregedor Bartolomeu Bueno. [...] Fonte: TJPE Em 17.02.2011 (FONTE: http://www.irib.org.br/html/noticias/noticia-detalhe.php?not=260. Acessado em 10-12-2011)
No Espírito Santo, conforme os arts. 592 e 1118 do CNCGJ-ES, representado pelo Provimento n. 29, de 09 de Dezembro de 2009, exige-se apenas uma declaração do interessado quando da apresentação de seu contrato a
Art. 592. Os emolumentos devidos pelos atos relacionados ao registro da primeira aquisição imobiliária para fins residenciais, financiada pelo Sistema Financeiro de Habitação, serão reduzidos em 50% (cinqüenta por cento).
§ 1º. Na hipótese do caput deste artigo, o oficial somente procederá ao registro após a declaração do interessado informando que o imóvel adquirido se consubstancia como a sua primeira aquisição imobiliária para fins residenciais, pelo Sistema Financeiro de Habitação e que está ciente do desconto que lhe é concedido.
§ 2º. Os oficiais deverão afixar 2 (dois) ou mais cartazes no interior da serventia informando a cerca da redução dos emolumentos relacionados com a primeira aquisição imobiliária para fins residenciais, financiada pelo Sistema Financeiro de Habitação.
Art. 1.118. Para o registro de imóveis adquiridos para fins residenciais, com financiamento do Sistema Financeiro de Habitação, deverá ser exigida, caso a circunstância não conste expressamente do próprio título, declaração escrita do interessado, a qual permanecerá arquivada na serventia, esclarecendo tratar-se, ou não, de primeira aquisição, a fim de possibilitar o exato cumprimento do disposto no art. 290, da Lei de Registros Públicos, e seu posterior controle. Em caso positivo, a redução prevista para cobrança de emolumentos incidirá exclusivamente sobre o valor financiado.
Nota-se a fragilidade do sistema, sendo recomendável a adoção de medidas como a do convêncio firmado no PE.
VII – CONCLUSÕES
Do estudo do tema, as conclusões a que podemos chegar são as seguintes: a) a redução prevista no art. 290, da LRP, não foi recepcionada pelo art. 151, III, da CR/88; b) a hipótese em questão não é a mesma tratada na ADInMC 1800/DF; c) A criação de gratuidades ou benefícios, sem uma correspondente fonte de compensação encontra resistência em vários artigos de lei; d) A garantia fiduciária não transmuda a natureza de um contrato firmado no âmbito do SFH, em contrato firmado pelo SFI; c) não dispõem os Serviços de Registro de Imóveis de meios para assegurar que o contrato refere-se ao primeiro financiamento firmado no âmbito do SFH para fins de aquisição da casa própria, sendo recomendável estabelecerem as Corregedorias de Justiça convênios para que a CEF proceda a essa certificação.
Guarapari, ES, em 15 de Dezembro de 2011
DR. PHELIPE DE MONCLAYR POLETE CALAZANS SALIM