sábado, 23 de julho de 2011

DIREITO DE OCUPAÇÃO DE TERRENO DE MARINHA LANÇADO NO LIVRO N. 2



Solução de questão prática em matéria de registro de imóveis envolvendo escritura pública de cessão de direitos de ocupação de terreno de marinha.

Considere a seguinte hipótese: 4 lotes de terreno de marinha (direito de ocupação). Dos 4 lotes, 3 deles possuem matrícula junto ao Livro 2, e um deles não, constando ainda registrado junto ao antigo Livro 4. Os 4 terrenos são contíguos, formando juntos uma área retangular, sobre a qual foi edificado um prédio de 10 andares. Pretende-se a unificação dos 4 lotes, e posteriormente pretende-se proceder o registro do instrumento de instituição e especificação de condomínio, nos moldes da Lei 4.591/64, razão pela qual foi postulado o registro da escritura pública de cessão de direitos de ocupação relativamente ao 4º lote, para fins de que este seja matriculado junto ao Livro 2. Constata-se que muitos outros terrenos de marinha em regime de ocupação encontram-se matriculados na serventia. Pergunta-se: A escritura pública de cessão de direitos de ocupação apresentada pode ser registrada? Podem ser praticados atos de registro nas matrículas abertas para os terrenos de marinha em regime de ocupação? Se você fosse o oficial de registro de imóveis, qual solução apresentaria ao caso? Por quê?


  1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO EM ESTUDO:

Sabemos que a ocupação de terreno de marinha é exercida a título precário, não conferindo direito real ao ocupante. Terreno de marinha é bem que pertence à União e que recebe um tratamento todo diferenciado em legislação própria.

Quando falamos em terrenos de marinha, estamos falando de um instituto antigo, polêmico, criticado e que muitos desejariam que acabasse, mas não vamos aqui adentrar nessa questão, que é mais política do que propriamente jurídica.

Conforme o Decreto-lei 9.760, de 5-9-1946, os terrenos de marinha são aqueles localizados em uma faixa de terra com 33 metros de largura, contada a partir da linha da preamar média de 1831, adjacente ao mar, rios e lagoas, no continente ou em ilhas, desde que no local se observe o fenômeno das marés, com oscilação de pelo menos cinco centímetros:
Art. 2º - São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar médio de 1831:
a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;
 b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se façam sentir a influência das marés.
Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo menos do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano.

A expressão medidos horizontalmente visa a evitar que nos locais onde haja aclives ou declives, a faixa dos terrenos de marinha, por efeito trigonométrico, ficasse reduzida a menos de 33 metros, se a medição se efetuasse segundo a inclinação da área. Para a razão de ser não mais ou não menos a largura de 33 metros, não encontramos até o momento nenhuma explicação satisfatória.

O Decreto-lei 9.760, de 5-9-1946, em seu art. 9º, atribuiu ao Serviço do Patrimônio da União (S.P.U.), atualmente denominado de Secretaria do Patrimônio da União - permanece a sigla -, a tarefa de determinar a posição das linhas do preamar médio do ano de 1831; e em seu art. 10, preceituou que essa determinação deva ser realizada à vista de documentos e plantas de autenticidade irrecusável, relativos ao ano de 1831, ou, quando não obtidos, por outros produzidos em data próxima àquele ano, veja:
Art. 9º É da competência do Serviço do Patrimônio da União (S.P.U.) a determinação da posição das linhas do preamar médio do ano de 1831 e da média das enchentes ordinárias.
Art. 10. A determinação será feita à vista de documentos e plantas de autenticidade irrecusável, relativos àquele ano, ou, quando não obtidos, a época que do mesmo se aproxime.

Os procedimentos utilizados pela S.P.U. para a determinação da posição dos terrenos de marinha e seus acrescidos encontram-se detalhados na Orientação Normativa GEADE 002 de 12-3-2001, e para quem desejar se aprofundar no tema, encontra-se a norma Disponível em: <http://homspu.serpro.gov.br/arquivos_down/spu/orientacao_normativa/ON_geade_002.PDF>. Acesso em: 12-8-2011.

Essa norma estabelece alguns critérios para a definição da linha de referência, tais como a utilização de dados do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, da Diretoria de Hidrografia e Navegação do Comando da Marinha (que dispõe de um banco de dados oceanográficos), mapoteca do Itamarati, Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, museus, Diretoria do Serviço Geográfico do Exército, empresas de aerolevantamentos, Biblioteca Nacional, bibliotecas regionais e locais, associações culturais, câmaras de vereadores, prefeituras, igrejas, cartórios, depoimentos de moradores e/ou pescadores antigos.

Sem pretender aqui avançar na discussão acerca da confiabilidade dos métodos oficialmente utilizados para a determinação da posição da linha do preamar médio do ano de 1831, previstos no art. 10, do Decreto-lei n. 9.760/46, e na Orientação Normativa anteriormente mencionada, indagamos se com o degelo das calotas polares, o gradativo aumento do nível do mar e as naturais transformações geomorfológicas da costa, não estaria essa linha imaginária hoje submersa em várias regiões do país? Podemos aqui trazer como exemplo o litoral da cidade de Marataízes/ES, que sem querer alarmar, estaria sendo parcialmente engolido pelo oceano. Seriam os documentos produzidos em 1831, ou em data próxima àquele ano, hoje, úteis para essa determinação?

Sob essa perspectiva, alguns estudiosos, como o engenheiro cartógrafo Obéde Pereira Lima, em sua Tese de Doutorado Localização geodésica da linha da preamar-média de 1831, com vistas à demarcação dos terrenos de marinha e seus acrescidos, defendem ser hoje possível, em razão do desenvolvimento técnico e científico, determinar com uma maior precisão onde se encontra a linha (fonte: <http://sosterrenosdemarinha.org.br>. Acesso em 11-08-2011). 

A Tese de Doutorado do Prof. Obéde está Disponível em: <http://www.redimob.com.br/Biblioteca/Interna/10-06-10/Tese_de_doutorado.aspx>. Acesso em: 11-08-2011, sendo recomendada a sua leitura por parte daqueles que pretendem se aprofundar no tema.

Feitas as considerações retro, e retomando o nosso foco, cumpre-nos definir a natureza jurídica dos terrenos de marinha, que como informado, são bens da União, portanto, bens públicos. 

Os bens públicos podem ser classificados em: (1) bens públicos de uso comum do povo (ruas, rios, lagos, praias e praças, por exemplo); (2) bens públicos de uso especial (prédios onde a administração pública direta e/ou indireta encontra-se sediada, por exemplo); e, (3) bens públicos dominiais, também chamados dominicais (imóveis de propriedade das pessoas jurídicas de Direito Público, mas que não se destinam ao uso comum do povo e nem possuem uma destinação especial). No último caso, temos os terrenos de marinha como exemplo.

É preciso ter cuidado para não confundir praia (bem de uso comum do povo) com terreno de marinha (bem dominial da União). Nem todo terreno de marinha estará localizado na praia, e nem toda praia terá sua extensão limitada à faixa de marinha.

A Lei Federal n. 7.661/88, que instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, definiu em seu art. 10, § 3º, praia como sendo a área coberta e descoberta periodicamente pelas águas, acrescida da faixa subseqüente de material detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece um outro ecossistema, veja:
Art. 10. As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica.
 § 1º. Não será permitida a urbanização ou qualquer forma de utilização do solo na Zona Costeira que impeça ou dificulte o acesso assegurado no caput deste artigo.
§ 2º. A regulamentação desta lei determinará as características e as modalidades de acesso que garantam o uso público das praias e do mar.
 § 3º. Entende-se por praia a área coberta e descoberta periodicamente pelas águas, acrescida da faixa subseqüente de material detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece um outro ecossistema.

As praias, portanto, tem dimensão variável, e o critério legal demarcador dos terrenos de marinha previsto no Decreto-lei n. 9.760/46, pode fazê-los ultrapassar a faixa da praia, bem como esta também pode ultrapassar a dos terrenos de marinha. Logo, praia e faixa de marinha podem não coincidir, pois os critérios legais para a determinação geográfica de uma e outra são distintos.

Um relevante ponto a considerar, ainda, é o de que dentre os bens da União, apesar de dominiais, os terrenos de marinha encontram expresso impedimento constitucional para a sua alienação plena, estando em sua origem relacionados à idéia de segurança da costa contra possíveis agressões estrangeiras.

Por força do disposto no art. 49, § 3º , do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da CR/88, a enfiteuse deverá continuar a ser aplicada aos terrenos de marinha e seus acrescidos, que encontrem-se situados na faixa de segurança, a partir da orla marítima. Aplicar o regime da enfiteuse significa alienar apenas o domínio útil ou direito real de uso, jamais o domínio pleno.

A essa altura, cumpre-nos chamar a atenção também para a distinção entre os conceitos de faixa de marinha e faixa de segurança. A faixa dos terrenos de marinha, que é aquela que mede 33m a contar do preamar médio do ano de 1831, não pode ser confundida com aquela que podemos chamar de faixa de segurança da costa, ou faixa de segurança costeira, prevista no art. 100, "a", do Decreto-lei n. 9.760/46, e que mede 100m de largura ao longo da costa. 


Trata-se, portanto, de dois institutos jurídicos distintos, muito embora a localização e posição espacial de um possa em parte se sobrepor à do outro; e ainda que ambos, em suas origens históricas, tenham sido concebidos em razão da preocupação em se proteger o litoral contra prováveis invasões estrangeiras. Consistem, ou pelo menos consistiam por ocasião de sua criação, em áreas de interesse militar e estratégico.


Na faixa de 100m da costa, na faixa de fronteira - que é de 150km, conforme o art. 20,  § 2º , da CR/88, e art. , da Lei Federal n. 6.634/79 -, e em um raio de 1.320m em torno das fortificações e estabelecimentos militares, o Decreto-lei n. 9.760/46 impõe como condição para a aplicação do regime de aforamento, a necessária e prévia audiência dos militares, senão vejamos:

Art. 100. A aplicação do regime de aforamento a terras da União, quando autorizada na forma deste Decreto-lei, compete ao S.P.U., sujeita, porém, a prévia audiência:


a) dos Ministérios da Guerra, por intermédio dos Comandos das Regiões Militares; da Marinha, por intermédio das Capitanias dos Portos; da Aeronáutica, por intermédio dos Comandos das Zonas Aéreas, quando se tratar de terrenos situados dentro da faixa de fronteiras, da faixa de 100 (cem) metros ao longo da costa marítima ou de uma circunferência de 1.320 (mil trezentos e vinte) metros de raio em tôrno das fortificações e estabelecimentos militares.
Até aqui destacamos no que consistem os terrenos de marinha, sua natureza jurídica e qual é a forma estabelecida em lei para a sua demarcação. Cumpre-nos agora tratar do chamado direito de ocupação dos terrenos de marinha, colocando-o sob o enfoque dos registradores imobiliários no enfrentamento de questões surgidas com a prática registrária, sem perder de vista os ditames da Lei Federal n. 6.015/73, e os das leis que a antecederam e sucederam. 


        2. DIREITO DE OCUPAÇÃO SOB O ENFOQUE REGISTRAL:

Sob o enfoque registral, iniciamos pela análise do Decreto-lei n. 1.561/77, que ao dispor sobre a ocupação dos terrenos da União e dar outras providências, foi bastante claro ao informar em seu art. 1º, § 1º, que a inscrição, ressalvados os casos de preferência ao aforamento, terá sempre caráter precário, não gerando para o ocupante quaisquer direitos sobre o terreno ou a indenização por benfeitorias, in verbis:
Art. 1º - É vedada a ocupação gratuita de terrenos da União, salvo quando autorizada em lei.
 
Art. 2º - O Serviço do Patrimônio da União promoverá o levantamento dos terrenos ocupados, para efeito de inscrição e cobrança de taxa de ocupação, de acordo com o disposto no Título II, Capítulo VI, do Decreto-lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946, com as alterações deste Decreto-lei.
 
 § 1º - A inscrição, ressalvados os casos de preferência ao aforamento, terá sempre caráter precário, não gerando, para o ocupante, quaisquer direitos sobre o terreno ou a indenização por benfeitorias realizadas.
 
 § 2º - A inscrição será mantida enquanto não contrariar o interesse público, podendo a União proceder ao seu cancelamento em qualquer tempo e reintegrar-se na posse do terreno após o decurso do prazo de 90 (noventa) dias da notificação administrativa que para esse fim expedir, em cada caso.
 
Art. 3º - Nas ocupações que vierem a ocorrer posteriormente à vigência deste Decreto-lei, a taxa de ocupação será cobrada em dobro.
 
Art. 4º - (REVOGADO pela Lei 9.636/98)
 
Art. 5º - Fica revogado o § 3º do artigo 5º da Lei n. 4.947, de 6 abril de 1966, no que se refere aos terrenos de marinha.
 
Art. 6º - O presente Decreto-lei não se aplica aos terrenos rurais de domínio da União, sujeitos a planos de Reforma Agrária, nem altera o regime de ocupação das terras devolutas federais, estabelecidas em lei.
 
Art. 7º - Este Decreto-lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Nesse mesmo sentido, a Lei Federal n. 9.636, de 15 de maio de 1998, em seu art. 7º, reafirmando a precariedade do ato administrativo de inscrição de ocupação, dispõe ser ele resolúvel a qualquer tempo, in verbis:
Art. 7º - A inscrição de ocupação, a cargo da Secretaria do Patrimônio da União, é ato administrativo precário, resolúvel a qualquer tempo, que pressupõe o efetivo aproveitamento do terreno pelo ocupante, nos termos do regulamento, outorgada pela administração depois de analisada a conveniência e oportunidade, e gera obrigação de pagamento anual da taxa de ocupação.

O Fólio Real, via de regra é destinado ao registro dos direitos reais sobre imóveis. Não encontra o ato administrativo de inscrição de ocupação, exercido precariamente, qualquer previsão no rol do art. 167, da Lei Federal n. 6.015/73, não podendo, portanto, ser levado a registro.


Não consistindo em um direito real imobiliário, não é a ocupação de terreno de marinha um ato suscetível de registro, a teor do art. 172, da Lei Federal n. 6.015/73, que inserido no Capítulo II, ao tratar da escrituração, assim dispõe:

Art. 172. No Registro de Imóveis serão feitos, nos termos desta Lei, o registro e a averbação dos títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintivos de direitos reais sobre imóveis reconhecidos em lei, inter vivos ou mortis causa, quer para sua constituição, transferência e extinção, quer para sua validade em relação a terceiros, quer para a sua disponibilidade.

Ao enfrentar o assunto, o professor Walter Ceneviva, em nota ao art. 167 da LRP, em sua conhecida obra “Lei dos Registros Públicos Comentada, 19ª edição, Saraiva, pág. 385”, assim leciona, in verbis:
412. Mera ocupação não dá direito ao registro – A ocupação de um imóvel, não aforado, em faixa de marinha, não gera direito real, sendo insuscetível de registro. Estando, porém, sob o regime de aforamento, o ingresso do respectivo título no registro imobiliário é obrigatório. Decorria antes do art. 116 do Decreto-Lei n. 9.760/46. A Lei n. 9.636/98 dispôs sobre regularização, administração, aforamento e alienação de imóveis do domínio da União e deu outras providências. Seus arts. 6º a 10 tratam do cadastramento das ocupações, incidindo em vedação às previstas no art. 9º e permitindo o cancelamento de inscrições efetuadas (art. 10). Com a edição do Estatuto da Cidade a ocupação de imóvel urbano passou a ser causa de aquisição dominical com o usucapião especial coletivo, conforme se explica no n. 447.

Nessa mesma linha, é o entendimento da Prof. Maria Helena Diniz, que em sua inusitada obra Sistemas de Registros de Imóveis, 7ª edição, Saraiva, pág. 267, entre os atos insuscetíveis de registro, tal como os de cessão de direitos hereditários, promessa de permuta, opção de compra e outros, acaba por também incluir o direito de ocupação, in verbis:
Ocupação de terreno não aforado, em faixa de marinha, que, por não criar direito real, será insuscetível de registro (RT, 499:116), mas, se estiver sob o regime de aforamento, deverá ser registrada.
Assim como na doutrina (Ceneviva, Diniz et al.), parece também existir um consenso entre os registradores quanto à impossibilidade de registro das escrituras públicas de cessão de direitos de ocupação de terrenos de marinha junto aos registros de imóveis. Então, para prosseguirmos com relação à solução do caso hipotético em análise, vamos tomar referida impossibilidade de registro como uma de nossas premissas.


          3. INDENPENDÊNCIA DO OFICIAL NO EXERCÍCIO DE SUAS ATRIBUIÇÕES:

Na prática, será sempre um problema para o registrador, quando ao assumir uma serventia se deparar com a existência de lançamentos de registros de direito de ocupação junto ao Livro n. 2, relativamente a alguns imóveis de marinha e a outros não. Em minha cidade, a gloriosa Guarapari no Espírito Santo, isso não seria difícil de acontecer, até porque de fato aconteceu. Verifica-se um considerável número de terrenos de marinha sob o regime de ocupação, que no passado foram matriculados, e outros que não foram e nem podem ser matriculados.

Referidos lançamentos irregulares no Livro n. 2, assim como outras irregularidades - registrais e não registrais envolvendo o nosso chão -, como o parcelamento irregular do solo urbano; a outorga indiscriminada de títulos de aforamento de terras municipais em troca de votos; a vista grossa das autoridades com relação ao desmatamento; os latifúndios e minifúndios; a edificação e venda de unidades autônomas sem registro do memorial de incorporação; a construção em morros e encostas; a deficitária ação fiscalizadora da S.P.U. com relação aos bens da União; os condomínios fechados, impedindo o livre acesso às praias; o esgotamento de nossos recursos hídricos; o lamentável estado de desertificação vivido pelo Espírito Santo; a desenfreada expansão imobiliária disputando espaço com a mãe natureza e muitos outros problemas, são desafios a serem enfrentados pela sociedade, pelos governantes, por nós advogados, e - por quê não ? - também pelos oficiais de registro de imóveis.

Nesse panorama, os oficiais de registro continuam não sendo meros carimbadores de papel, arrecadadores de emolumentos e expectadores passivos do desenvolvimento urbano e rural desordenado. Ao contrário, devem os oficiais impedir com rigor que títulos que não satisfaçam as exigências legais venham a ingressar no Fólio Real.


O registrador não deve favor a nenhum eleitorado ou partido, não exerce cargo eletivo e o seu ingresso na atividade está condicionado à aprovação em concurso público de provas e títulos. É profissional do Direito dotado de independência, não subordinado a nenhuma autoridade ou governo. Não toma decisões políticas e sim jurídicas.


Preceitua o art.  1º, da Lei Federal n. 8.935/94, que os serviços notariais e de registro são serviços de organização técnica e administrativa, e os arts.  3º e 28, daquele mesmo diploma legislativo, preceituam que notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito que gozam de independência no exercício de suas atribuições, in verbis:

Art. 1º Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.

Art. 3º Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro.


Art. 28. Os notários e oficiais de registro gozam de independência no exercício de suas atribuições, têm direito à percepção dos emolumentos integrais pelos atos praticados na serventia e só perderão a delegação nas hipóteses previstas em lei.


O art. 28, da Lei Federal n. 8.935/94, ao conferir a esses profissionais o atributo da independência, quis dizer que não estão eles subordinados a nenhuma autoridade superior, mas apenas à Constituição e às leis. Ouso dizer mais, entendo que em determinados aspectos não estão subordinados nem mesmo ao Poder Judiciário, que por força do art. 236, § 1º, da Constituição da República de 1988, possui a incumbência de fiscalizar seus atos.


Nessa esteira de pensamentos, tenho que ao examinar um título, o oficial age com absoluta independência intelectual. O Poder Judiciário, mesmo detendo o chamado poder de polícia sobre os serviços notariais e registrais, ou seja, mesmo detendo o poder de fiscalizá-los, não tem o poder de retirar-lhes a independência intelectual conferida pela Lei Federal n. 8.935/94.  

Mutatis mutandis, essa independência dos notários e registradores compara-se à independência dos juízes. Não está o juiz obrigado a decidir dessa ou daquela forma, ou a decidir da mesma forma que decide o seu Tribunal, não podendo a Corte impor ao magistrado como deverá julgar um determinado caso concreto. Da mesma forma que os juízes ao julgarem, os registradores de imóveis atuarão com independência ao examinarem os títulos que lhes forem apresentados para registro ou averbação.


E é com essa independência, que o registrador submete todo e qualquer título ou documento que lhe é apresentado, independentemente de sua origem e forma, se judicial, extrajudicial, público ou particular, não importa, ao chamado exame de qualificação, verificando se o título encontra previsão legal para registro, e encontrando, se atende ou não, em seu aspecto formal, os requisitos legais.

No final, tenho que a independência com que deverá agir o oficial relaciona-se com a sua necessária imparcialidade e com a almejada segurança jurídica. Deverá o oficial registrador sempre mirar o que é certo, o que é lícito, sem qualquer receio de desagradar os poderosos e as autoridades. Por isso que retirar do oficial registrador a garantia de independência no exercício de suas atribuições, seria caminhar em sentido contrário ao que toda sociedade deseja, que é a proteção do patrimônio imobiliário. 

Não podemos esquecer que o solo é um dos elementos integrantes de nosso Estado soberano. Sob esse ângulo de visão, ao se tratar de imóvel rural adquirido por estrangeiro, ou de imóveis em regiões estratégicas, como nas faixas de fronteira, na faixa de segurança costeira, na amazônia legal e outras posições mais pelo país afora, os ofícios imobiliários adquirem o papel não só de garantir a segurança jurídica, mas também o de cumprir e fazer cumprir normas que objetivam garantir a segurança nacional.


          4. ENFRENTAMENTO DA QUESTÃO PRÁTICA SOB EXAME:

Delineada a forma como deverá o oficial registrador agir (com total independência) e como deverá enxergar a questão (juridicamente, jamais politicamente), retornemos agora ao caso e à pergunta apresentados no início desta dissertação:  

a) 4 terrenos de marinha formando uma área retangular;  
b) 3 deles foram no passado transportados do Livro 4 para o Livro 2; 
c) o interessado pretende abrir matrícula para esse 4º terreno; 
d) proceder a fusão das 4 matrículas, na forma do art. 233, III da LRP; 
e) regularizar uma edificação de 10 andares sobre eles já construída; 
f) proceder o registro da instituição e especificação de condomínio;
g) abrir matrículas para as unidades autônomas.

Imagine que você acabou de assumir o cartório, e que o 4º contrato de cessão, relativo àquele 4º lote, foi prenotado para registro. Se você disser que recusará o registro, estará apenas respondendo o óbvio, afinal de contas você estudou muito para concursos de cartório e chegou a ficar até entre os primeiros colocados em alguns deles, sendo certo que você sabe que ocupação de terreno de marinha é precária e não tem ingresso no Fólio Real. Mas isso meu amigo, acredito até mesmo o décimo milésimo colocado no concurso também sabe, pois leu o Walter Ceneviva e a Maria Helena Diniz.

A questão agora é decidir entre fazer e não fazer, valorando princípios, pois no caso hipotético apresentado para ser solucionado, suponhamos que metade dos imóveis de marinha em regime de direito de ocupação daquela cidade encontrem-se lançados irregularmente e ao arrepio da lei junto ao Livro 2, e que os dois maiores empregadores da cidade sejam a Prefeitura e a construção civil. No litoral brasileiro devem existir várias cidades nessa situação.

Você, enquanto oficial de registro de imóveis, deverá tomar uma decisão dentro do exíguo prazo legal previsto para a qualificação do título, findo o qual ou o registro será realizado, não será realizado ou será levantada Dúvida ao juiz. E nesse prazo meu amigo, você deverá fazer um verdadeiro confronto de princípios em sua mente.

Você colocará de um lado a função social da propriedade, ou função sócio-ambiental se preferir, lutando para encontrar uma solução condizente, privilegiando o desenvolvimento sustentável, o plano urbanístico, os valores do trabalho e da livre iniciativa, e muitos outros valores e princípios que você vem estudando nos últimos dez anos da sua vida de concurseiro.

De outro lado, você deverá ser fiel aos princípios registrais da legalidade, continuidade, especialidade e disponibilidade, que você ficou surpreso ao descobrir que também existiam - pois não ensinaram na faculdade! -, e vem estudando desde o momento em que decidiu prestar concurso para delegação de serventias extrajudiciais, sempre focando a segurança jurídica e não podendo esquecer que o Registro de Imóveis é - e realmente dever ser, pois é de sua essência - rigoroso e formalista, muito embora as palavras "formalismo" e "formalista" não sejam atualmente muito bem quistas no mundo jurídico.

Você deverá sopesar todos esses ideais e decidir no prazo, suportando sobre os seus ombros o peso da decisão que irá tomar.

Pois bem, da situação prática colocada sob exame emergem as seguintes perguntas: e quanto à abertura das matrículas e os registros das cessões de direitos dos demais imóveis de marinha junto ao Livro 2 realizados pelo anterior oficial de registro de imóveis, são eles atos nulos de pleno direito? Pode o registrador público abster-se de praticar atos nas 3 matrículas irregularmente abertas? Pode utilizá-las como justificativa para cometer a 4ª irregularidade, transportando o 4º lote para o Livro 2 e procedendo a fusão das 4 matrículas?

Com o pouco que sei sobre registro de imóveis, e que me perdoem os mais experientes, ouso responder desde já aos questionamentos acima de forma bem objetiva.

Primeiramente, veja que o livro que abrigava o registro do direito de ocupação com relação aos 3 primeiros lotes, era o antigo Livro 4, chamado de Registros Diversos, criado pelo art. 182, do Decreto n. 4.857/39, in verbis:
Art. 182. Haverá no registro de imóveis os seguintes livros:
Livro n. 1 - protocolo, com 300 folhas;
Livro n. 2 - inscrição hipotecária, com 300 folhas;
Livro n. 3 - transcrição das transmissões, com 300 folhas; 
Livro n. 4 - registros diversos, com 300 folhas;
Livro n. 5 - emissão de debêntures, com 450 folhas; 
Livro n. 6 - indicador real, com 300 folhas; 
Livro n. 7 - indicador pessoal, com 300 folhas; 
Livro n. 8 - registro especial, com 300 folhas. 

O art. 186, do Decreto n. 4.857/39, preceituava que naquele livro seriam lançadas as promessas de compra e venda e todos os demais atos não atribuídos especificamente a outros livros, in verbis:

Art. 186. Do mesmo modo será escriturado o livro n. 4 – Registros Diversos – em o qual serão registrados, além da promessa de compra e venda (art. 178, letra a, n. XIV), todos os demais atos, não atribuídos especificamente a outros livros.
Com o advento da atual lei de registros públicos, a Lei n. 6.015/73, os livros previstos no antigo Decreto n. 4.857/39 foram substituídos pelos seguintes livros:
Art. 173 - Haverá, no Registro de Imóveis, os seguintes livros: (Renumerado do art. 171 com nova redação pela Lei n. 6.216, de 1975)
I - Livro nº 1 - Protocolo;
II - Livro nº 2 - Registro Geral;
III - Livro nº 3 - Registro Auxiliar;
IV - Livro nº 4 - Indicador Real;
V - Livro nº 5 - Indicador Pessoal. 
Parágrafo único. Observado o disposto no § 2º do art. 3º, desta Lei, os livros nºs 2, 3, 4 e 5 poderão ser substituídos por fichas.

No caso, o registro de direito de ocupação junto ao Livro n. 4, do Decreto n. 4.857/39, s.m.j., apenas conferiu mera publicidade, não criando direitos reais sobre esses imóveis sujeitos ao regime de ocupação.

Já com relação a imóveis sujeitos ao regime enfitêutico, podemos dizer que a coisa seria diferente, pois existia previsão para a sua inscrição naquele Livro. Bom, mas aqui não é o caso de enfiteuse, e sim de ocupação.

A propriedade imobiliária por ato inter-vivos, na forma do Decreto n. 4.857/39, era adquirida através da transcrição do título junto ao Livro n. 3, do Decreto n. 4.857/39, o Livro Transcrição das Transmissões, em atenção ao art. 530, I do CC de 1916.

Com o advento da Lei Federal n. 6.015/73, o Livro 4 do Decreto n. 4.857/39 deixou de existir, sendo que os registros de cessões de direitos de ocupação nele lançados não poderiam migrar para o Livro 2 da Lei 6.015/73, destinado à matrícula dos imóveis e ao registro ou averbação dos atos relacionados no art. 167, e não atribuídos ao Livro 3 da mesma lei.

Assim, a transmissão de direitos reais por ato inter-vivos, outrora lançada no Livro 3 do Decreto n. 4.857/39, e através da transcrição do título, passou a ser lançada no Livro 2 da Lei n. 6.015/73, por meio do registro do título.

Um imóvel de marinha cuja concessão do direito de ocupação fosse cedido por seu titular, e com registro dessa cessão lançado junto ao Livro 4 do Decreto n. 4.857/39, somente poderia passar a figurar junto ao Livro 2 da Lei Federal n. 6.015/73, caso fosse apresentado à registro o necessário título de aforamento (enfiteuse de imóvel de marinha), e desde que respeitadas as demais formalidades e requisitos legais.

Em tal hipótese, seria procedida a abertura de matrícula para o imóvel junto ao Livro 2 da Lei Federal n. 6.015/73, nela sendo lançado o registro do contrato enfitêutico conferindo o domínio útil do imóvel a um particular, cumprindo aqui observar que esse registro não teria por origem eventual registro de direito de ocupação junto ao Livro 4.

Não custa lembrar, que embora o Código Civil de 2002 tenha acabado com a figura da enfiteuse, as enfiteuses dos terrenos de marinha continuam regidas por legislação própria, e não custa também lembrar que o registro do contrato de aforamento torna possível ao enfiteuta dispor da posse, uso e gozo do terreno aforado, ou seja, possibilita ao enfiteuta dispor do domínio útil, respeitadas é claro as disposições legais, e remanescendo a nua propriedade sempre em mãos da União.

Consiste em direito real sobre coisa alheia, transmissível por herança, sendo reconhecido pela doutrina como o mais amplo direito sobre propriedade alheia. O Código Civil de 2002, em seu art. 2.038, caput, vedou a criação de novas enfiteuses e subenfiteuses, sendo mantidas as existentes até sua extinção. Em seu lugar instituiu o direito de superfície, sem a perpetuidade, vedado o prazo indeterminado, mas transferível a terceiros e, por morte do superficiário, aos seus herdeiros.

Mas veja! a enfiteuse não se encontra no rol dos direitos reais previstos no art. 1.225 do atual CCB. Seriam as enfiteuses de terreno de marinha, constituídas por legislação própria, um direito real, mesmo não estando naquele rol? Estaria a União autorizada a continuar instituindo enfiteuses de terrenos de marinha, com base no disposto no art. 2.038, § 2º, do atual CCB e no disposto em legislação própria? Boas perguntas, mas não vamos aqui nos aprofundar muito nelas. Veja o que dispõe o art. 49, § 3º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 1988:

Art. 49. A lei disporá sobre o instituto da enfiteuse em imóveis urbanos, sendo facultada aos foreiros, no caso de sua extinção, a remição dos aforamentos mediante aquisição do domínio direto, na conformidade do que dispuserem os respectivos contratos.

§ 1º - Quando não existir cláusula contratual, serão adotados os critérios e bases hoje vigentes na legislação especial dos imóveis da União.

§ 2º - Os direitos dos atuais ocupantes inscritos ficam assegurados pela aplicação de outra modalidade de contrato.

§ 3º - A enfiteuse continuará sendo aplicada aos terrenos de marinha e seus acrescidos, situados na faixa de segurança, a partir da orla marítima.

§ 4º - Remido o foro, o antigo titular do domínio direto deverá, no prazo de noventa dias, sob pena de responsabilidade, confiar à guarda do registro de imóveis competente toda a documentação a ele relativa.

Fato é que a enfiteuse é a principal forma regular de uso dos terrenos de marinha. As modificações trazidas pelo novo Código não afetaram a enfiteuse administrativa, regida pelo Decreto-lei 9.760/46 e leis a ele modificadoras, que é aplicada aos bens imóveis da União.

Os critérios para alienação dos imóveis da União estão contidos na Lei 9.636/98 e no seu regulamento, o Decreto 3.725 de 10-01-2001. São normas situadas no contexto político tendente à desestatização, com propósito de gerar rendas para a União e ao mesmo tempo extinguir a ocupação ilegal. No caso especifico dos terrenos de marinha, a forma de alienar é o aforamento.

Na seara registral imobiliária, que é o que nos interessa, temos que a enfiteuse, ao contrário do que ocorre com a ocupação, encontra previsão legal para registro no item “10”, do art. 167, I, da Lei Federal n. 6.015/73.

Na sistemática anterior à da Lei n. 6.015/73, as enfiteuses eram inscritas no livro 4 - Registros Diversos -, assim como outras constituições de direitos reais reconhecidas por lei, quer entre vivos, quer mortis causa, para valerem contra terceiros e permitirem a disponibilidade, e tendo como  requisitos, nos termos do artigo 252, do Decreto 4.857/39, aqueles enumerados nos itens 1º a 10, in verbis:

Art. 252. Serão sujeitos à inscrição, no livro - 4, todas as constituições de direitos reais reconhecidas por lei, quer entre vivos, quer mortis causa, para valerem contra terceiros e permitirem a disponibilidade, sendo declarados os seguintes requisitos:
1º - número de ordem e o da transcrição do imóvel;
2º - data;
3º - circunscrição onde está situado;
4º - denominação do imóvel, se rural, e indicação da rua e número, se urbano;
5º - característicos e confrontações;
6º - nome, domicílio, profissão e residência do credor;
7º - nome, domicílio, profissão, estado e residência do devedor;
8° - ônus;
9º - título do ônus, com todas as condições e especificações;
10 - valor da coisa ou da dívida, prazo desta, e mais indicações, conforme o caso.

Preceituava o Decreto em análise, que a transcrição do título de transmissão do domínio direto aproveitaria ao titular do domínio útil, e vice-versa, e seria feita no Livro 3, embora a constituição originária da enfiteuse teria de ser inscrita no Livro 4.

Seriam inscritos no Livro 4, ainda, outros atos especificados entre os arts. 253 e 257 daquele Decreto, os quais, seguem abaixo transcritos: 

Art. 253. Será inscrita no livro 4, para validade quer entre as partes contratantes, quer em relação a terceiros, a promessa do venda de imóvel não loteado. 

Art. 254. Será, também, inscrita, no livro 4, simplesmente para permitir a disponibilidade, a sentença declaratória de posse de uma servidão aparente pelo decurso de 10 a 20 anos. 

Art. 255. Será inscrito, no livro 4, o penhor agrícola com os mesmos requisitos, declarando-se o valor da dívida e seu prazo, alem do objeto, sendo o prazo máximo de um ano, ulteriormente prorrogável por seis meses. 

Art. 256. Serão inscritos, no livro 4, os contratos de locação do imóveis com cláusula expressa de vigência contra adquirente, sob os mesmos requisitos indicados no art. 254, e mais o valor do contrato a renda, o prazo, o tempo e o lugar dos pagamentos, e a pena convencional. 

Art. 257. Será inscrito, ao livro 4, o penhor de máquinas e de aparelhos utilizados na indústria, instalados e em funcionamento, com ou sem os respectivos pertences, nos termos do art. 2º do Decreto-lei n. 1.271, de 16 de maio de 1939. 

Outro dado que interessa salientar, é que a inscrição da enfiteuse no Livro 4, pelo menos na minha opinião, não era o ato que criava para a União o direito real de propriedade relativamente ao terreno de marinha.

A inscrição da enfiteuse conferia publicidade e disponibilidade relativamente ao direito real sobre coisa alheia aqui tratado, a enfiteuse, em favor do enfiteuta e relativamente ao terreno de marinha, que por lei já pertencia à União. A União não dependia - como ainda não depende - do registro para se tornar titular da propriedade dos terrenos de marinha.


A transmissão e a aquisição da propriedade de bem imóvel, ao contrário do que muitos pensam, não está restringida ao registro do título. Adquire-se a propriedade, por exemplo, pela sucessão aberta (direito de saisine), independentemente do registro do Formal de Partilha ou Carta de Adjudicação. 

Outros exemplos são a aquisição da propriedade por meio da usucapião, na qual a sentença de procedência possui natureza meramente declaratória, e não constitutiva do direito; e aquisição por meio da acessão, seja ela natural (aluvião, avulsão etc.) ou artificial (construções e plantações).

O registro, em tais hipóteses, conferirá disponibilidade, continuidade e publicidade, tornando o direito oponível contra terceiros, que não poderão alegar desconhecê-lo. Em síntese, criará segurança jurídica para um fato já existente. Não terá o registro efeito constitutivo, pois a constituição do direito de propriedade, nesses casos, o precede.


O CCB de 2002, em sua Parte Especial, Livro III (Do Direito das Coisas), Título III (Da Propriedade), Capítulo II (Da Aquisição da Propriedade Imóvel), traz como formas de aquisição da propriedade imobiliária: a) a usucapião; b) o registro do título; e, c) a acessão, que poderá ser por formação de ilhas, aluvião, avulsão, abandono de álveo e por plantações ou construções.


Outra forma de adquirir a propriedade é a desapropriação promovida por ato do Poder Público, que é forma, inclusive, originária de aquisição.

Pode ser mencionada, ainda, a desapropriação indireta, na qual o Poder Público adquire a propriedade, desde que presentes alguns requisitos: (a) apossamento do bem pelo Estado, sem prévia observância do devido processo de desapropriação; (b) afetação do bem, isto é, sua destinação à utilização pública; (c) a impossibilidade material da outorga da tutela específica ao proprietário, isto é, a irreversibilidade da situação fática resultante do indevido apossamento e da afetação. 


Dito isso, se o terreno de marinha não tiver uma origem junto ao Registro Geral de Imóveis, não significa dizer que a União dele não seja a proprietária. O domínio da União sobre os terrenos de marinha independente de registro, pois está previsto na Constituição da República/88, em seu art. 20, VII. Encontrando-se a área dentro da faixa de 33 (trinta e três) metros medidos horizontalmente da preamar média do ano de 1831, será ela de propriedade da União e ponto final. Não vamos aqui entrar nas poucas exceções a essa regra.

Logo, cuidado! o ditado quem não registra não é dono, não se aplica a todos os casos. A União não precisa registrar os terrenos de marinha em seu nome junto ao Cartório de Registro Geral de Imóveis, como condição para deles se tornar proprietária ou mesmo para poder opor seu direito de propriedade em face dos particulares, dos demais entes federados ou de quem quer que seja. A propriedade sobre os referidos bens advém de mandamento constitucional, in verbis:

Art. 20. São bens da União:
[...]
VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos;

Apresentado para registro um título de aforamento de terreno de marinha não matriculado e que não tenha origem em nenhum outro livro (atual livro 2 ou nos antigos livros 3 e/ou 4), deve para o imóvel ser aberta uma matrícula e deve o título ser registrado, constituindo a enfiteuse. Mas veja! Estamos aqui falando de enfiteuse.


No caso hipotético em estudo, não se trata de enfiteuse inscrita no Livro 4, mas sim de direito de ocupação inscrito no Livro 4, e que se pretende transferir para o atual Livro 2, o que não encontra respaldo legal. Ao se negar o registro da cessão do direito de ocupação junto ao Livro 2, surgirá um natural inconformismo para o interessado, tendo em vista os 3 primeiros terrenos de marinha sob o regime de ocupação encontrarem-se matriculados. E então? Como justificar a negativa de registro?


        5. MOTIVAÇÃO DA RECUSA DE REGISTRO:


O ato do oficial consistente em registrar ou não registrar, é um ato administrativo. Deve ter motivo, deve ter fundamento legal. Particularmente, entendo que o oficial de registro de imóveis deve sempre informar para o particular, fundamentadamente, quais as razões que o levaram a negar um registro, ao invés de simplesmente negar o registro e pronto, acabou.  A negativa sem uma justificativa, soa com o aspecto de autoritarismo, arbitrariedade e indiferença ao problema vivido pela parte.

Deve efetivamente explicar o porquê de sua decisão, deve emitir uma nota devolutiva bem elaborada, bem redigida e bem fundamentada, informando com clareza as razões que o conduziram a negar o registro. Muitos conflitos entre particulares e registradores advém mais da falta dessa comunicação do que da negativa do registro em si considerada, o que poderia ser evitado se as notas de devolução fossem menos sucintas e mais convincentes.

O Direito Registral Imobiliário é um ramo muito específico, desconhecido por muitos profissionais, inclusive magistrados. Trata-se de área muito restrita, intimamente relacionada com várias outras do Direito. Esse desconhecimento se deve ao fato de que o Direito Registral lamentavelmente não vem integrando as grades dos cursos jurídicos. Sob essa perspectiva, e sendo certo que aos próprios operadores do Direito as temáticas registrárias parecem estranhas, imagine quando apresentadas a alguém sem qualquer formação jurídica.


Não seria razoável o registrador não motivar a negativa, ou motivá-la em linguagem estritamente jurídica. Deverá redigir uma nota devolutiva motivada, em linguagem simples e de fácil entendimento, mas com técnica e utilizando corretamente a terminologia jurídica. Isso é fundamental. 

Será natural que o particular manifeste um sentimento de insatisfação com a negativa, até porque se outros imóveis de marinha sob o regime de ocupação encontram-se matriculados, porque a este último foi negado o registro? A situação narrada, aparentemente contraditória, eleva mais ainda a necessidade de motivação do ato de recusa.


         6. ERROS PRETÉRITOS DO REGISTRO NÃO AUTORIZAM NOVOS ERROS:


A negativa de registro para o contrato de cessão de direito de ocupação é certa, e a explicação que será apresentada ao particular, fundamentadamente, ao nosso ver será uma só, qual seja: a de que erros pretéritos do registro não autorizam novos e reiterados erros, ad eternum.

Em outras palavras, a abertura de matrícula para terrenos de marinha sujeitos ao regime de ocupação, ocorridos no passado, não pode servir de fundamento para que isso seja também realizado no presente, e continue acontecendo no futuro. A pré-existência de lançamentos desses direitos de ocupação junto ao Livro 2 não importa em precedente para que novos e irregulares lançamentos sejam realizados. 

Encontrei arestos do Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, que muito embora não tratando especificamente do direito de ocupação em terrenos de marinha, enfrentaram a questão do que podemos aqui, para fins registrais, chamar de erro pretérito. Aquele Conselho firmou o entendimento de que esses erros pretéritos não autorizariam novos e reiterados erros.

Cumpre-nos colocar em destaque alguns dos precedentes do CSM/SP, em que resta bastante claro esse seu posicionamento quanto ao tema:

... erro pretérito do registrador não justifica a prática de outros atos posteriores em perpetuação ao erro original (CSM - Ap. Cív. 304-6/0 - j. 31.01.2005 - rel. Des. José Mário Antonio Cardinale).

... Por outro lado, o registro de anterior venda da fração do imóvel que foi comprada pelos apelantes não autoriza o registro da escritura agora apresentada porque, como este C. Conselho Superior da Magistratura tem reiteradamente decidido, o erro registrário pretérito não gera direito adquirido à sua repetição. Neste sentido o v. acórdão prolatado na Apelação Cível nº 033502-0/8, da Comarca de Guarulhos, em que foi relator o Desembargador Márcio Martins Bonilha, em que se verifica: Na verdade, tem prevalecido o entendimento pacífico deste Colendo Conselho Superior da Magistratura, no sentido de que os erros registrários pretéritos não justificam eventual repetição, bem como, não geram direito adquirido à propositada reprodução. (CSM/SP, Apelação Cível nº 857-6/2 da Comarca de Piracaia, D.O. 28.07.2008 Ruy Camilo, Corregedor Geral da Justiça e Relator)

... Os anteriores desfalques de áreas desmembradas da matrícula nº 6.000 (fls. 50/58), outrossim, não alteram o resultado do recurso porque, presume-se, ocorreram mediante preenchimento de todos os requisitos legais, sabido que eventuais erros pretéritos, se existentes, não geram direito à sua propositada repetição (cf. Colendo Conselho Superior da Magistratura, Apelação Cível nº 033502-0/8, da Comarca de Guarulhos, relator Desembargador Márcio Martins Bonilha). (CSM/SP, Apelação Cível nº 851-6/5 da Comarca de Mogi das Cruzes, D.O. 13.08.2008, Ruy Camilo, Corregedor Geral da Justiça e Relator)

... Se imóveis lindeiros já estão com sua matrícula individualizada, isto não significa que eventuais erros pretéritos, caso ocorridos, tenham o condão de legitimar a perpetuação de tal situação. A falta de controle qualitativo e quantitativo deve ser evitada, em nome da segurança jurídica e da fé pública. (CSM/SP, Apelação Cível nº 755-6/7 da Comarca de Atibaia, Gilberto Passos de Freitas, Corregedor Geral da Justiça e Relator)

Outrossim, a anterior obtenção na Comarca de origem, pelo recorrente, de registro de instituição de condomínio em situação idêntica à presente não enseja a improcedência da dúvida porque, como reiteradamente se tem decidido, a existência de erro pretérito não cria direito à sua repetição. [...] (CSM/SP, Apelação Cível nº 788-6/7 da Comarca de Cubatão, D.O. 06.08.2008, Ruy Camilo, Corregedor Geral da Justiça e Relator)

... O fato de já ter sido deferido o registro de outro lote com origem no mesmo loteamento irregular mostra-se irrelevante, na medida em que a ocorrência de erro pretérito não justifica a sua reiteração. [...] (CSM/SP, APELAÇÃO CÍVEL Nº 823-6/8 da Comarca de GUARULHOS, D.O. 21.07.2008, RUY CAMILO, Corregedor Geral da Justiça e Relator)

... Verifica-se, por fim, ser pacífica a jurisprudência deste Colendo Conselho Superior da Magistratura no sentido de que a existência de erros pretéritos do registro não autorizam nova e repetida prática do ato registrário irregular, inexistindo direito adquirido ao engano (Apelações Cíveis n.ºs 28.2800/1, 14.094-0/5, 15.372-0/1, 13.616-0/1, entre outras)” (Apelação Cível nº 43.832-0/1- Caraguatatuba, rel. Des. Sérgio Augusto Nigro Conceição). (CSM/SP, Apelação Cível nº 747-6/0 da Comarca de Guarujá, Gilberto Passos de Freitas, Corregedor Geral da Justiça e Relator, DLI nº 20 - ano: 2008 - Jurisprudência Cartorária)

O fato de já ter sido deferido o registro de outro lote com origem no mesmo loteamento irregular mostra-se irrelevante, na medida em que a ocorrência de erro pretérito não justifica a sua reiteração. (CSM/SP, Apelação Cível nº 810-6/9 da Comarca de Guarulhos, D.O. 10.07.2008, RUY CAMILO, Corregedor Geral da Justiça e Relator)

... Pouco importa haja registros anteriores feitos com ofensa à lei, já que erros passados não justificam novos. É imprescindível haja também controle da disponibilidade, especialmente a geodésica, para ensejar o destaque. (CSM/SP, Apelação Cível n.º 23.113-0/4, da Comarca de Guarulhos)

... Isso porque é entendimento tranqüilo deste Conselho Superior da Magistratura que erros pretéritos do registro não justificam novos e reiterados erros (Ap. Cív. n. 28.280-0/1; Ap. Cív. n. 41.855-0/1). Ademais, “prosseguir registrando, indiscriminadamente, títulos concernentes a lotes sem preciso enquadramento geodésico poderia levar à dissociação dos assentos tabulares da realidade física, dando lugar a registros de terrenos inexistentes ou impossíveis de demarcar” (Ap. Cív. 000.188.6/9-00 - acima referida). Como se pode perceber do acima analisado, correta se mostra a recusa do Sr. Oficial Registrador em registrar o título apresentado, merecendo ser confirmada a decisão de primeira instância por seus fundamentos, aos quais se acrescem os aqui delineados e os constantes do bem elaborado parecer da Douta Procuradoria Geral de Justiça, subscrito pela Dra. Liliana Allodi Rossit. (CSM/SP, Apelação Cível Nº 685-6/7 da Comarca de Guarulhos, Gilberto Passos de Freitas, Corregedor Geral da Justiça e Relator)

... Nem se diga, por fim, como o faz a Apelante, que a escritura de venda e compra ora apresentada a registro está amparada em compromisso particular de venda e compra inscrito no fólio real com a mesma descrição, a impor, agora, igualmente, o ingresso do título, ainda que sem exata correspondência com os dados tabulares. Como sabido e reiteradamente decido por este Colendo Conselho, “erro pretérito do registrador não justifica a prática de outros atos posteriores em perpetuação ao erro original” (CSM - Ap. Cív. 304-6/0 - j. 31.01.2005 - rel. Des. José Mário Antonio Cardinale). Portanto, sob qualquer aspecto que se analise a questão, não há como admitir, no caso, o registro do título, tal como pretendido pela Apelante, impondo-se a manutenção da respeitável sentença recorrida, a qual, corretamente, prestigiou a recusa manifestada pelo oficial registrador. (CSM/SP, Apelação Cível nº 555-6/4 da Comarca de Santo André, Gilberto Passos de Freitas, Corregedor Geral da Justiça e Relator)

... Por fim, cumpre salientar que a circunstância de o Apelante ter obtido o registro da aquisição de outra parte ideal do imóvel objeto da mesma matrícula não impõe, só por isso, o registro dessa nova aquisição. Pertinente reafirmar, aqui, o entendimento, já manifestado inúmeras vezes por este Colendo Conselho Superior da Magistratura, de que “(...). Não socorre o recorrente o fato de ter obtido anteriormente o registro de outras partes ideais relativas à mesma matrícula, sendo pacífica a jurisprudência deste Egrégio Conselho Superior da Magistratura ... no sentido de que erros pretéritos do registro não autorizam novos e reiterados erros, dada a inexistência de direito adquirido ao engano (...)’ (Ap. Cív. nº 41.855-0/1 - Comarca de Jaú, Rel. Des. Nigro Conceição, j. 6.2.98)” - Ap. Cív. n. 72.365-0/7. Portanto, em conclusão, não há como admitir o registro do título em questão, tal como pretendido pelo Apelante. (CSM/SP, Apelação Cível nº 576-6/0, da Comarca de Buritama, Gilberto Passos de Freitas, Corregedor Geral da Justiça e Relator)

... REGISTRO DE IMÓVEIS. Escritura de hipoteca de fração ideal de imóvel. Pretensão de registro. Recusa devida, em razão de indícios de parcelamento irregular, com o fim de burlar a lei do parcelamento do solo. Irrelevância da data do negócio. Erros pretéritos não justificam atuais em fraude à lei, e, para fins de registro, o que se considera é a lei vigente ao tempo da apresentação do título. Recurso não provido. [...] Não autoriza o registro pretendido, por fim, a existência de anterior registro de venda da parte ideal em questão (R.9/50.046), pois, como já decidido: “Não socorre o recorrente o fato de ter obtido anteriormente o registro de outras partes ideais relativas à mesma matrícula, sendo pacífica a jurisprudência deste Egrégio Conselho Superior da Magistratura... no sentido de que erros pretéritos do registro não autorizam novos e reiterados erros, dada a inexistência de direito adquirido ao engano, como expresso no v. acórdão que decidiu a apelação cível nº 28.280-0/1, da Comarca de São Carlos, Relator o Desembargador Antônio Carlos Alves Braga: Tranqüila a orientação do Conselho Superior da Magistratura no sentido de que erros pretéritos do registro não autorizam nova e repetida prática do ato registrário irregular, inexistindo direito adquirido ao engano (Ap. Cív. nº 41.855-0/1 Comarca de Jaú, Rel. Des. Nigro Conceição, j. 6.2.98).” O precedente acima citado bem se enquadra ao caso em tela, porque demonstra como foi indevido o registro das escrituras de compra e venda das partes ideais dos imóveis dados em hipoteca, e autoriza a conclusão de que agiu corretamente o Oficial ao obstar, por estas mesmas razões, o ingresso da escritura de hipoteca, o que foi mantido pela r. sentença do Juízo Corregedor Permanente, com base na legislação e normas vigentes no momento da apresentação do título, considerando, ainda, que erros pretéritos não justificam novos e reiterados erros. (CSM/SP, APELAÇÃO CÍVEL Nº 781-6/5 da Comarca de ATIBAIA, D.O. 31.01.2008, GILBERTO PASSOS DE FREITAS, Corregedor Geral da Justiça e Relator)

... Registro de Imóveis. Escritura de compra e venda. Pretensão de registro de fração ideal de imóvel. Recusa devida, em razão de indícios de parcelamento irregular, com o fim de burlar a lei do parcelamento do solo. Irrelevância da data do negócio e de anteriores registros efetuados. Erros pretéritos não justificam atuais em fraude à lei, e, para fins de registro, o que se considera é a lei vigente ao tempo da apresentação do título. Sentença mantida. Recurso não provido. [...] Não autoriza o registro pretendido, por fim, a existência de anterior registro de venda da parte ideal em questão (R.9/50.046), pois, como já decidido: “Não socorre o recorrente o fato de ter obtido anteriormente o registro de outras partes ideais relativas à mesma matrícula, sendo pacífica a jurisprudência deste Egrégio Conselho Superior da Magistratura... no sentido de que erros pretéritos do registro não autorizam novos e reiterados erros, dada a inexistência de direito adquirido ao engano, como expresso no v. acórdão que decidiu a apelação cível nº 28.280-0/1, da Comarca de São Carlos, Relator o Desembargador Antônio Carlos Alves Braga: Tranqüila a orientação do Conselho Superior da Magistratura no sentido de que erros pretéritos do registro não autorizam nova e repetida prática do ato registrário irregular, inexistindo direito adquirido ao engano (Ap. Cív. nº 41.855-0/1 Comarca de Jaú, Rel. Des. Nigro Conceição, j. 6.2.98).” O precedente acima citado bem se enquadra ao caso em tela, porque demonstra como foi indevido o registro das várias escrituras de compra e venda das partes ideais do imóvel e autoriza a conclusão de que agiu corretamente o Oficial ao obstar o ingresso da escritura ora apresentada, o que foi mantido pela r. sentença do Juízo Corregedor Permanente, com base na legislação e normas vigentes no momento da apresentação do título, considerando, ainda, que erros pretéritos não justificam novos e reiterados erros. Vários são os julgados no mesmo sentido: Apelações Cíveis números 93.316-0/8, da Comarca de São Bernardo do Campo; 92.121-0/0, da Comarca de Ibiúna; 96.704-0/0, da Comarca de São João da Boa Vista; 97.017-0/2 da Comarca de São José do Rio Preto; 96.085-0/4, da Comarca de São José dos Campos; 96.857-0/8, da Comarca da Capital; 98.303-0/5, da Comarca de Batatais; 99.733-0/4, da Comarca de Mogi Mirim; 99.607-0/0, da Comarca de Sorocaba; 352-6/8, da Comarca de Botucatu e 466-6/8, da Comarca de Atibaia. (CSM/SP, D.O. 29.01.2008, Apelação Cível nº 770-6/5 da Comarca de Atibaia, Gilberto Passos de Freitas, Corregedor Geral da Justiça e Relator, matéria extra – DLI revista 2008 - Jurisprudência Cartorária)

... Por outro lado, a abertura de matrículas para outros apartamentos que estariam situados no 11º andar do edifício não permite a adoção do mesmo procedimento para o apartamento que o apelante teria adquirido, pois os erros registrários pretéritos não geram direito à sua repetição, como reiteradamente tem decidido este Colendo Conselho Superior da Magistratura. Neste sentido o v. acórdão prolatado na Apelação Cível nº 033.502-0/8, da Comarca de Guarulhos, em que foi relator o Desembargador MÁRCIO MARTINS BONILHA, e que assim foi decidido: Na verdade, tem prevalecido o entendimento pacífico deste Colendo Conselho Superior da Magistratura, no sentido de que os erros registrários pretéritos não justificam eventual repetição, bem como, não geram direito adquirido à propositada reprodução. Não há que se falar, outrossim, em aplicação do princípio constitucional da isonomia porque não se presta para justificar a prática de atos contrários à lei. Ademais, na r. sentença apelada o MM. Juiz Corregedor Permanente determinou o bloqueio das matrículas que foram indevidamente abertas para os demais apartamentos que estariam situados no 11º andar do Edifício Júlia Cristianini (fls. 189/191 e 206/246). Está correta, portanto, a solução adotada pelo MM. Juiz Corregedor Permanente que julgou procedente a dúvida. Pelo exposto, nego provimento ao recurso. (TJSP Apelação Cível nº 106-6/6, da Comarca da Capital, José Mário Antonio Cardinale, Corregedor Geral da Justiça e Relator - DLI nº 23 - ano: 2005 - Jurisprudência)
... Por outro lado, cumpre salientar que o fato de ter sido admitida a averbação do desdobro de outros lotes do mesmo loteamento (fls. 22) não implica, por óbvio, a autorização para averbações de desdobros futuros e registros de escrituras de venda e compra dos lotes deles decorrentes, pois, como reiteradamente decidido por este Colendo Conselho Superior da Magistratura, erros pretéritos do registro não autorizam nova e repetida prática do ato registral irregular. Ao contrário, as averbações e registros à primeira vista irregulares, concernentes a desdobros de lotes do loteamento “Jardim Residencial Alto das Palmeiras” é que deverão ser objeto de apuração e eventual correção. (CSM/SP, Apelação Cível nº 594-6/1 da Comarca de Palmeira D’oeste, Gilberto Passos de Freitas, Corregedor Geral da Justiça e Relator)

A inteligência contida nos precedentes acima transcritos, reproduz em linguagem técnico-jurídica o conhecido adágio popular um erro não justifica outro.

Assim, quanto aos direitos de ocupação levados a registro junto ao antigo Livro 4, do Decreto n. 4.857/39, e que não foram irregularmente transportados para o Livro 2, como é o caso daquele 4º lote do exemplo citado, não é permitido ao oficial de registros para eles proceder abertura de matrícula junto ao Fólio Real, repetindo o erro cometido por seu antecessor.

Mas... e quanto aos imóveis em regime de ocupação que no passado foram irregularmente matriculados no Livro 2, como é o caso dos 3 primeiros lotes citados em nossa questão prática? Como proceder com relação a eles?

Quanto a eles, entendo que muito embora gritante que o ato foi praticado ao arrepio da lei, não pode o registrador imobiliário cancelar as matrículas de ofício, e nem recusar com relação a elas praticar os atos de registro e/ou averbação que lhes forem solicitados praticar, e desde que conformes à lei.

Não obstante sejam irregulares os atos praticados no passado, esses direitos de ocupação já lançados no Livro 2, da Lei Federal n. 6.015/73, devem ser mantidos por força da regra do art. 252 da mesma lei, o qual dispõe que enquanto não cancelado, o registro produz todos os efeitos legais, senão vejamos:

Art. 252 - O registro, enquanto não cancelado, produz todos os efeitos legais ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido.


Também não recomendaria ao Juiz Corregedor, sem uma provocação por parte daquele que detém o domínio desses bens, e que no caso é a União, proceder medidas como o bloqueio ou mesmo o cancelamento, apenas e tão somente em razão das irregulares aberturas de matrículas.

O lamentável histórico de desenvolvimento urbano desordenado e conturbado de nossas cidades, nos leva a crer que em determinadas localidades, cancelar os registros de direitos de ocupação lançados irregularmente junto ao Livro 2 seria criar um transtorno desnecessário.

Aliás, qualquer medida que impeça ou dificulte transações imobiliárias não é bem quista, pois obsta a circulação de recursos, a realização de negócios e a geração de renda. Deixar de proceder registros nos casos em que foram abertas matrículas junto ao Livro 2, seria criar, na prática, um problema ainda maior do que aquele que já existe, e desta vez não só de feições jurídicas, mas também sócio-econômicas.

          7. RECOMENDAÇÃO DE REGULARIZAÇÃO PERANTE A SPU:

Deverá o interessado buscar uma solução para o problema junto ao órgão próprio da União, que é, em última análise, a proprietária do imóvel. Via de regra, a solução do problema se dará mediante a constituição de uma enfiteuse sobre não só o 4º lote, mas provavelmente sobre os outros 3 lotes, o que poderá sanar futuramente, inclusive, a irregularidade no Registro de Imóveis com relação as estes últimos.

Quanto ao oficial de registro de imóveis, não lhe será autorizado atropelar a lei e registrar a cessão de direitos de ocupação junto ao Livro 2, abrindo matrícula para o imóvel, uma vez que estará praticando ato não autorizado em lei; e, por outro lado, não poderá negar validade para os registros de cessão de direitos de ocupação já lançados no Livro 2, eis que enquanto não cancelados continuarão eles a produzir todos os seus efeitos, frente a regra do art. 252, da Lei Federal n. 6.015/73.

Esta é a melhor solução para o caso, este é o parecer, sub censura


DR. PHELIPE DE MONCLAYR POLETE CALAZANS SALIM