Por Phelipe de Monclayr:
I -INTRODUÇÃO
O presente estudo interessa não só aos notários e registradores do Espírito Santo, mas aos seus juízes corregedores e a todos aqueles que por qualquer forma lidam com o assunto.
Nosso objetivo é estabelecer qual é o juiz competente para conhecer e julgar os procedimentos de suscitação de dúvida levantados em face de títulos judiciais.
Este ensaio tem por foco as normas que tratam da matéria no Espírito Santo, especialmente a do artigo 59, IV, do COJES, que tem causado algumas divergências de entendimentos, pois confere aos juízes de direito, em matéria de registro público, a competência para decidir, salvo em caso de execução de sentença proferida por outro juiz, acerca das dúvidas e consultas levantadas por tabeliães e oficiais de registro público.
CNCGJES
Art. 59. Compete, ainda, aos Juízes de Direito,
especialmente em matéria de Registro Público:
[...]
IV – decidir, salvo em caso de execução de sentença
proferida por outro Juiz, sobre dúvidas levantadas e consultas feitas por
Tabeliães e Oficiais de Registro Público e sobre a distribuição de causas;
A ressalva: “salvo em caso de execução de sentença proferida por outro
juiz”, abriga o núcleo de toda a celeuma. A partir dela seria possível entender que ao juiz da execução competisse o julgamento das suscitações de dúvidas e consultas administrativas.
Contudo, não é a interpretação mais adequada. Ela investe outros juízes, inclusive
de outros estados da Federação, em uma competência de natureza administrativa privativa da
Corregedoria de Justiça do Espírito Santo.
Segundo essa interpretação, um juiz vinculado ao Tribunal de Justiça de Rondônia seria competente para tratar de matéria puramente administrativa junto aos serviços registrais do Espírito Santo. Para tanto, bastaria que o título registral - uma carta de arrematação, por exemplo - fosse oriundo desse juiz.
Em tal hipótese deveria o registrador capixaba reportar-se ao juiz de Rondônia, para ele encaminhar as dúvidas e consultas relativas à aplicação do Código de Normas da CGJES, o que é absolutamente incoerente.
Segundo essa interpretação, um juiz vinculado ao Tribunal de Justiça de Rondônia seria competente para tratar de matéria puramente administrativa junto aos serviços registrais do Espírito Santo. Para tanto, bastaria que o título registral - uma carta de arrematação, por exemplo - fosse oriundo desse juiz
Qualquer juiz do território nacional seria competente para dirimir questões técnico-administrativas dos serviços de notas e de registros do Espírito Santo, o que violaria de certa forma o princípio do pacto federativo.
E não
só juízes de tribunais de outros estados decidiriam dúvidas e consultas de notários e registradores do Espírito
Santo. A Justiça Federal Comum, a Justiça Federal do Trabalho e, quiçá, as
Justiças Militar e Eleitoral decidiriam matéria relativa a notas e registro nos casos que envolvessem as execuções de suas sentenças.
Por tais razões nós não concordamos com essa linha interpretativa, sobretudo em função do fato de não estar expresso no dispositivo em questão que a competência, em tal hipótese, fosse do juiz da emissão do título.
Por tais razões nós não concordamos com essa linha interpretativa, sobretudo em função do fato de não estar expresso no dispositivo em questão que a competência, em tal hipótese, fosse do juiz da emissão do título.
A dúvida registral trata de matéria
jurídica, mas de natureza administrativa. Não pode ser considerada como um incidente processual
que devesse ser julgado pelo próprio juiz emissor do título. Também não é
uma forma de rediscutir matéria já jurisdicionalizada – ao contrário do que já entendeu o STJ, sem dispensar merecido cuidado ao tema, na nossa opinião -, não sendo razoável, portanto, acreditar que a matéria
versada na dúvida fosse de competência de outro juiz senão daquele que exerce a
função de corregedor permanente.
Sustenta-se que uma decisão administrativa não pudesse se sobrepor a uma decisão judicial. Porém, o grande equívoco reside justamente em considerar que a qualificação negativa de um título judicial significasse uma decisão administrativa sobrepondo-se a uma decisão judicial. A decisão judicial é soberana e faz coisa julgada, mas entre as partes do processo e nos limites da lide.
Nessa linha de ideias, a qual defendemos, o fato de "A" indicar determinado imóvel à penhora, como se este pertencesse a "B", e o fato do juiz determinar o registro dessa penhora, não faz de "B" dono do imóvel, se de fato não for. Nessa hipótese, o registro da penhora quebraria o princípio da continuidade, sendo essa a razão pela qual deverá o registrador baixar o mandado em exigência.
Vamos supor que o imóvel indicado por "A" à penhora, como se fosse de "B", na verdade pertencesse a "C", figura estranha ao processo. Consideremos também, e o que é muito comum acontecer na prática, que "B" fosse promissário comprador, detentor de contrato particular de compromisso de compra e venda sem registro. Não se discute que "B" não é dono. Não pode o registro da penhora ser levado a efeito, pois o imóvel pertence a "C".
Agora vamos supor que um juiz laboral, conduzido pelos princípios da simplicidade, celeridade e efetividade que norteiam o processo trabalhista, deferisse a penhora não sobre os direitos oriundos do contrato, mas sobre o próprio imóvel compromissado à venda, como se "B" já fosse o dono, mesmo sem ter registrado ainda o necessário título de aquisição de domínio.
Ainda que louvável a intenção em se empregar celeridade e efetividade ao processo tendo por alvo a realização de justiça, o registro dessa penhora, em flagrante desacordo com a cadeia filiatória do imóvel colocaria em risco a segurança jurídica da própria sociedade, alheia ao litígio entre "A" e "B".
O ato afetaria a esfera de terceiros, e sem se saber ao menos se as obrigações contratuais foram por parte de "B" devidamente cumpridas, ou se não existem outros fatos que impedem o registro até da própria promessa de compra e venda exibida ao juiz laboral, que sequer foi submetida ao exame de qualificação.
Para que a penhora ingressasse no Fólio Real, no exemplo citado, seria exigido pelo registrador de imóveis o prévio registro de título que conferisse a propriedade em favor de "B". Esse título também seria submetido ao exame qualificador, e somente seria registrado em caso de qualificação positiva.
No exemplo, a penhora sobre o imóvel de "C", ao invés dos direitos de promissário comprador de "B", foi um ato ilegal, senão teratológico. Porém, conquanto a sua ilegalidade, poderia o registro da penhora ser realizado, mas desde que a propriedade fosse previamente transferida de "C" para "B". O olhar do registrador, nesse momento, estaria voltado para o que diz o artigo 237 da Lei Federal n. 6.015/73:
Na prática, essas questões são completamente estranhas ao juiz da execução, devendo indiscutivelmente ser enfrentadas pelo juiz especializado em registros públicos. Na maior parte das vezes, quando o juiz da execução é comunicado da qualificação negativa do mandado de registro de penhora, expede ele em resposta outro mandado, desta vez determinando ao registrador de imóveis o cumprimento da ordem em 24 horas sob pena de prisão.
Luciano Lopes Passarelli, em seu trabalho A Penhora no Registro de Imóveis, bem ilustra essa situação com exemplos trazidos de casos concretos. Ele nos informa que em São Paulo, quando há ordens dessa natureza, a orientação da Corregedoria é para que o registrador realize o registro e comunique os órgãos censório-fiscalizatórios, que, via de regra, determinam posteriormente o cancelamento do registro feito irregularmente sob a ameaça de prisão do registrador:
Em São Paulo, quando há ordens deste jaez, deve o Registrador comunicar os órgãos censório-fiscalizatórios que, via de regra, determinam o cancelamento do registro feito irregularmente sob ameaça de prisão por crime de desobediência.
No Processo CG nº 898/2005, publicado no DOJ de 02.05.2006, a Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo enfrentou exatamente a situação em que a Registradora havia inicialmente devolvido o mandado, que afrontava o princípio da continuidade, posto que o executado não era o proprietário que constava na matrícula do imóvel, mas que ao depois terminou fazendo o registro porque reapresentado o mandado com ordem de cumprimento em vinte e quatro horas independentemente da regularização das deficiências apontadas.
Sustenta-se que uma decisão administrativa não pudesse se sobrepor a uma decisão judicial. Porém, o grande equívoco reside justamente em considerar que a qualificação negativa de um título judicial significasse uma decisão administrativa sobrepondo-se a uma decisão judicial. A decisão judicial é soberana e faz coisa julgada, mas entre as partes do processo e nos limites da lide.
Nessa linha de ideias, a qual defendemos, o fato de "A" indicar determinado imóvel à penhora, como se este pertencesse a "B", e o fato do juiz determinar o registro dessa penhora, não faz de "B" dono do imóvel, se de fato não for. Nessa hipótese, o registro da penhora quebraria o princípio da continuidade, sendo essa a razão pela qual deverá o registrador baixar o mandado em exigência.
Vamos supor que o imóvel indicado por "A" à penhora, como se fosse de "B", na verdade pertencesse a "C", figura estranha ao processo. Consideremos também, e o que é muito comum acontecer na prática, que "B" fosse promissário comprador, detentor de contrato particular de compromisso de compra e venda sem registro. Não se discute que "B" não é dono. Não pode o registro da penhora ser levado a efeito, pois o imóvel pertence a "C".
Agora vamos supor que um juiz laboral, conduzido pelos princípios da simplicidade, celeridade e efetividade que norteiam o processo trabalhista, deferisse a penhora não sobre os direitos oriundos do contrato, mas sobre o próprio imóvel compromissado à venda, como se "B" já fosse o dono, mesmo sem ter registrado ainda o necessário título de aquisição de domínio.
Ainda que louvável a intenção em se empregar celeridade e efetividade ao processo tendo por alvo a realização de justiça, o registro dessa penhora, em flagrante desacordo com a cadeia filiatória do imóvel colocaria em risco a segurança jurídica da própria sociedade, alheia ao litígio entre "A" e "B".
O ato afetaria a esfera de terceiros, e sem se saber ao menos se as obrigações contratuais foram por parte de "B" devidamente cumpridas, ou se não existem outros fatos que impedem o registro até da própria promessa de compra e venda exibida ao juiz laboral, que sequer foi submetida ao exame de qualificação.
Para que a penhora ingressasse no Fólio Real, no exemplo citado, seria exigido pelo registrador de imóveis o prévio registro de título que conferisse a propriedade em favor de "B". Esse título também seria submetido ao exame qualificador, e somente seria registrado em caso de qualificação positiva.
No exemplo, a penhora sobre o imóvel de "C", ao invés dos direitos de promissário comprador de "B", foi um ato ilegal, senão teratológico. Porém, conquanto a sua ilegalidade, poderia o registro da penhora ser realizado, mas desde que a propriedade fosse previamente transferida de "C" para "B". O olhar do registrador, nesse momento, estaria voltado para o que diz o artigo 237 da Lei Federal n. 6.015/73:
Art.
237 - Ainda que o imóvel esteja
matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título
anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro.
Na prática, essas questões são completamente estranhas ao juiz da execução, devendo indiscutivelmente ser enfrentadas pelo juiz especializado em registros públicos. Na maior parte das vezes, quando o juiz da execução é comunicado da qualificação negativa do mandado de registro de penhora, expede ele em resposta outro mandado, desta vez determinando ao registrador de imóveis o cumprimento da ordem em 24 horas sob pena de prisão.
Luciano Lopes Passarelli, em seu trabalho A Penhora no Registro de Imóveis, bem ilustra essa situação com exemplos trazidos de casos concretos. Ele nos informa que em São Paulo, quando há ordens dessa natureza, a orientação da Corregedoria é para que o registrador realize o registro e comunique os órgãos censório-fiscalizatórios, que, via de regra, determinam posteriormente o cancelamento do registro feito irregularmente sob a ameaça de prisão do registrador:
Em São Paulo, quando há ordens deste jaez, deve o Registrador comunicar os órgãos censório-fiscalizatórios que, via de regra, determinam o cancelamento do registro feito irregularmente sob ameaça de prisão por crime de desobediência.
No Processo CG nº 898/2005, publicado no DOJ de 02.05.2006, a Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo enfrentou exatamente a situação em que a Registradora havia inicialmente devolvido o mandado, que afrontava o princípio da continuidade, posto que o executado não era o proprietário que constava na matrícula do imóvel, mas que ao depois terminou fazendo o registro porque reapresentado o mandado com ordem de cumprimento em vinte e quatro horas independentemente da regularização das deficiências apontadas.
Com
fundamento no artigo 214 da Lei de Registros Públicos, que disciplina as nulidades
de pleno direito do próprio ato registral, determinou a Corregedoria o cancelamento
daquele registro, averbando que “diante desta situação, é legítima a correção da
ilegalidade reconhecidamente praticada, mediante cancelamento do registro indevido
do mandado de penhora, assim considerado, sob o aspecto estritamente
extrínseco, formal [...] Assim sendo e considerando que o registro se deu tão
somente para que não se descumprisse ordem judicial, conforme explicitado pela
Oficiala, e que, de fato, não há coincidência entre o titular do domínio e o
executado, o que afronta o princípio da continuidade, o registro deve ser
cancelado”.
A Primeira
Vara de Registros Públicos de São Paulo também tem prestigiado esse
procedimento. Na sentença proferida nos autos do processo nº 583.00.2008.124924-2,
publicada no DOJ de 21.05.2008, em que houve determinação de registro de Carta
de Arrematação que feria o princípio da continuidade, sob pena de crime de
desobediência, depois de feito o registro aquele Juízo entendeu que “o registro irregular não pode ser mantido
vigente, porque ofende o princípio da continuidade registrária [...] Haveria
séria e grave ofensa à segurança jurídica, se se permitisse a infringência do
princípio disposto na lei especial [...] Caso haja determinação acompanhada de
ordem de prisão, como parece ter ocorrido no caso, ainda que o ato registro ou
de averbação seja manifestamente violador da indisponibilidade legal determinada
por outro Juízo, o registrador, ao cumprir a ordem, deve comunicar essa
Corregedoria Permanente imediatamente, por meio de representação, para que
sejam adotadas as providências que venham a restaurar os basilares princípios
sobre os quais se assentam os Registros Imobiliários, para a garantia do
cumprimento da ordem judicial anterior e legal, assim como para proteger a
segurança jurídica que o serviço delegado de Registro de Imóveis não pode
prescindir, sob pena de grave prejuízo ao cumprimento da anterior ordem
judicial legal, e com graves conseqüências para o direito de propriedade
imóvel, confiado constitucionalmente à guarda do Oficial
Registrador. O Registrador de Imóveis exerce importante função de garante das
liberdades públicas. E isso precisa ser aqui consignado. Se a desordem reinasse
no registro predial, de modo que ele passasse a recepcionar ordens
contraditórias, de qualquer conteúdo, com violação de todo o sistema, recairia
a insegurança sobre o direito de propriedade privada, um dos pilares do regime
democrático [...] Diante do exposto, determino o cancelamento do registro [...]”. (fonte: <http://arisp.files.wordpress.com/2009/11/penhora-luciano-lopes-passarelli.pdf> Acesso em 5-10-2012)
E o que explica a possibilidade de cancelamento dessa penhora por ato meramente administrativo da Corregedoria é que o registro, como ato também de natureza administrativa, pode ser revisto pela administração a qualquer tempo. O fundamento legal para esse cancelamento encontra-se no artigo 214, caput, da Lei Federal 6.015/73:
Art. 214 - As nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta.
Em Sistemas de Registros de Imóveis (7.ª edição, ano 2007, Ed. Saraiva, SP, página 496, item g.4.12), Maria Helena Diniz exemplifica a possibilidade de cancelamento de registro independentemente de ação, por meio do seguinte precedente da Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo:
CGJ, Proc. n. 70.381 – Cancelamento – Registro de Imóveis. Duplicidade de registros de um mesmo imóvel. Nulidade de pleno direito caracterizada. Segundo registro cancelado. Violação do princípio da continuidade. Decretação em processo meramente administrativo. Art. 214 da Lei dos Registros Públicos. Decisão mantida.Preceitua o art. 214 da Lei de Registros Públicos que as nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta.
E a possibilidade da administração anular os seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos, já foi há tempos sumulada pelo Supremo Tribunal Federal, sendo perfeitamente aplicável ao caso:
Súmula 473 - A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
Estarrecidos, alguns poderiam dizer que seria inconcebível a uma decisão meramente administrativa da Corregedoria negar eficácia a uma decisão oriunda de juiz laboral no exercício da jurisdição. Ledo engano.
A decisão proferida pelo juiz laboral não tem o condão de estender os efeitos a terceiro que não integra o processo. No caso, o terceiro é a própria sociedade, que encontra proteção na segurança jurídica que obrigatoriamente deve ser proporcionada pelos registros de imóveis. A proteção dispensada aos Registros Públicos se sobrepõe ao interesse das partes discutido no processo, assumindo contornos de proteção a verdadeiros direitos e interesses metaindividuais.
Os Registros Civis das Pessoas Naturais, por exemplo, estão diretamente ligados ao exercício da cidadania, à família - base da sociedade - e aos direitos da personalidade. Os Registros de Imóveis, por seu turno, estão diretamente ligados ao solo, à soberania, ao espaço físico ocupado pelo próprio Estado. Cada uma das atividades notariais e registrais contém um significado, uma razão de existir, diretamente relacionada não aos interesses individuais, mas a interesses cruciais da sociedade.
Em função da supremacia do interesse público sobre o interesse privado, entendemos que somente quando o objeto tratado na ação fosse o registro em si considerado é que a decisão jurisdicional estenderia os seus efeitos para além das partes no processo, atingindo toda a sociedade. Exemplos são os das ações de retificação judicial de registro, anulatória de registro, declaratória de nulidade de registro e congêneres, julgadas pelo juiz especializado em registros públicos.
Sob esse prisma, não se vislumbra conflito de competência entre as esferas administrativa e jurisdicional, pois não se nega que nos limites da lide e das questões nela decididas, e entre as partes do processo, a decisão jurisdicional venha a gerar efeitos de modo soberano. O que não pode é beneficiar ou prejudicar terceiros, e nem a própria sociedade.
O STJ, em determinada oportunidade (STJ, 2ª Seç. Ccomp 2870-0-SP, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, j. 25.8.1993, v.u., DJU 4.10.1993), entendeu inexistir conflito de competência entre juiz laboral e juiz corregedor, quando o primeiro determina a penhora e o segundo, na seara administrativa, decide se a penhora deve ou não ter ingresso no Fólio Real:
Art. 214 - As nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta.
§1.º A nulidade será decretada depois de ouvidos os atingidos.
§2.º Da decisão tomada no caso do §1.º caberá apelação ou agravo conforme
o caso.
§3.º Se o juiz entender que a superveniência de novos registros poderá
causar danos de difícil reparação poderá determinar de ofício, a qualquer
momento, ainda que sem oitiva das partes, o bloqueio da matrícula do imóvel.
§4.º Bloqueada a matrícula, o oficial não poderá mais nela praticar
qualquer ato, salvo com autorização judicial, permitindo-se, todavia, aos
interessados a prenotação de seus títulos, que ficarão com o prazo prorrogado
até a solução do bloqueio.
§5.º A nulidade não será decretada se atingir terceiro de boa-fé que já
tiver preenchido as condições de usucapião do imóvel.
Em Sistemas de Registros de Imóveis (7.ª edição, ano 2007, Ed. Saraiva, SP, página 496, item g.4.12), Maria Helena Diniz exemplifica a possibilidade de cancelamento de registro independentemente de ação, por meio do seguinte precedente da Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo:
CGJ, Proc. n. 70.381 – Cancelamento – Registro de Imóveis. Duplicidade de registros de um mesmo imóvel. Nulidade de pleno direito caracterizada. Segundo registro cancelado. Violação do princípio da continuidade. Decretação em processo meramente administrativo. Art. 214 da Lei dos Registros Públicos. Decisão mantida.Preceitua o art. 214 da Lei de Registros Públicos que as nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta.
E a possibilidade da administração anular os seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos, já foi há tempos sumulada pelo Supremo Tribunal Federal, sendo perfeitamente aplicável ao caso:
Súmula 473 - A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
Estarrecidos, alguns poderiam dizer que seria inconcebível a uma decisão meramente administrativa da Corregedoria negar eficácia a uma decisão oriunda de juiz laboral no exercício da jurisdição. Ledo engano.
A decisão proferida pelo juiz laboral não tem o condão de estender os efeitos a terceiro que não integra o processo. No caso, o terceiro é a própria sociedade, que encontra proteção na segurança jurídica que obrigatoriamente deve ser proporcionada pelos registros de imóveis. A proteção dispensada aos Registros Públicos se sobrepõe ao interesse das partes discutido no processo, assumindo contornos de proteção a verdadeiros direitos e interesses metaindividuais.
Os Registros Civis das Pessoas Naturais, por exemplo, estão diretamente ligados ao exercício da cidadania, à família - base da sociedade - e aos direitos da personalidade. Os Registros de Imóveis, por seu turno, estão diretamente ligados ao solo, à soberania, ao espaço físico ocupado pelo próprio Estado. Cada uma das atividades notariais e registrais contém um significado, uma razão de existir, diretamente relacionada não aos interesses individuais, mas a interesses cruciais da sociedade.
Em função da supremacia do interesse público sobre o interesse privado, entendemos que somente quando o objeto tratado na ação fosse o registro em si considerado é que a decisão jurisdicional estenderia os seus efeitos para além das partes no processo, atingindo toda a sociedade. Exemplos são os das ações de retificação judicial de registro, anulatória de registro, declaratória de nulidade de registro e congêneres, julgadas pelo juiz especializado em registros públicos.
Sob esse prisma, não se vislumbra conflito de competência entre as esferas administrativa e jurisdicional, pois não se nega que nos limites da lide e das questões nela decididas, e entre as partes do processo, a decisão jurisdicional venha a gerar efeitos de modo soberano. O que não pode é beneficiar ou prejudicar terceiros, e nem a própria sociedade.
O STJ, em determinada oportunidade (STJ, 2ª Seç. Ccomp 2870-0-SP, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, j. 25.8.1993, v.u., DJU 4.10.1993), entendeu inexistir conflito de competência entre juiz laboral e juiz corregedor, quando o primeiro determina a penhora e o segundo, na seara administrativa, decide se a penhora deve ou não ter ingresso no Fólio Real:
Justiça
laboral e juiz corregedor de registros públicos. Inscrição da penhora no
registro imobiliário. Imóvel alienado em fraude de execução e registrado em
nome de terceiro. Validade da penhora e prosseguimento da execução. Atividade jurisdicional e
administrativa. Conflito inexistente. I. O registro da penhora no álbum
imobiliário é ato de natureza administrativa, sujeito à prévia verificação de
legalidade pelo juiz corregedor de registros públicos. II. Em face do princípio
da continuidade, acertada é a decisão que obsta a inscrição da penhora no
registro de imóvel não lançado no nome do executado. III. A ausência de
registro da penhora não interfere com a validade e a eficácia desse ato,
podendo a execução prosseguir normalmente em direção à excussão do bem. IV. Inexiste conflito entre o juízo da
execução e o juízo correicional, quando o primeiro se encontra no exercício
pleno de sua função jurisdicional e o segundo exercendo atividade
administrativa.
Aliás,
nada mais intuitivo. Em outras unidades da federação – obviamente sob a égide de seus respectivos atos normativos e diplomas de lei – a distinção entre competência administrativa e
competência jurisdicional parece evidente, senão vejamos:
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CORREGEDORIA-GERAL DA JUSTIÇA
E CÂMARA CÍVEL ISOLADA. SERVIÇO NOTARIAL. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. LEI Nº
6.015/73. NATUREZA ADMINISTRATIVA. RECURSO CONTRA DECISÃO DE JUIZ DIRETOR DO
FORO. COMPETÊNCIA DA CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA. ÓRGÃO ADMINISTRATIVO DE
FISCALIZAÇÃO. CONSOLIDAÇÃO DAS NORMAS DA CORREGEDORIA-GERAL DA JUSTIÇA.
CONFLITO IMPROCEDENTE. O processo de suscitação de dúvida é de natureza
puramente administrativa, não configurando um conflito de interesses resistido
por uma pretensão (lide), no sentido processual e constitucional (Lei nº
6.015/73, artigos 202 a
204). Por ser o serviço notarial de cunho administrativo, é competência da
corregedoria-geral da justiça processar e julgar os recursos interpostos nos
autos de suscitação de dúvida nos moldes da consolidação das normas da
corregedoria geral da justiça. (TJMT; CC 41356/2011; Capital; Tribunal Pleno;
Rel. Des. Rui Ramos Ribeiro; Julg. 24/11/2011; DJMT 30/01/2012; Pág. 6)
APELAÇÃO CÍVEL. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. AVERBAÇÃO DE
MEMORIAL GEORREFERENCIADO. REGISTRO PÚBLICO DE IMÓVEL RURAL. SOBREPOSIÇÃO DE
TÍTULOS DEFINITIVOS. CONTROVÉRSIA QUANTO AOS LIMITES DA ÁREA. MATÉRIA DE
NATUREZA ADMINISTRATIVA (ARTIGO 204 DA LEI Nº 6.015/73. DE REGISTROS PÚBLICOS).
SUSCITAÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. COMPETÊNCIA RECURSAL DA CORREGEDORIA-GERAL DA
JUSTIÇA. ITEM 1.2.5.1 DA CONSOLIDAÇÃO DAS NORMAS GERAIS DA CORREGEDORIA-GERAL
DEJUSTIÇA. ÓRGÃO FRACIONÁRIO. INCOMPETÊNCIA RECONHECIDA. DECLINAÇÃO DA
COMPETÊNCIA. Conforme artigo 204 da Lei nº 6.015/73, o instituto
da suscitação de dúvida constitui procedimento de caráter eminentemente
administrativo, em que não há contraditório mas apenas divergência entre o
pedido do interessado e o oficial da serventia, a ser dirimida
administrativamente pelo juiz diretor do foro. Segundo dicção do item 1.2.5.1.
Da consolidação das normas gerais da corregedoria-geral de justiça, compete à
corregedoria-geral de justiça processar e julgar recursos contra decisões em
procedimento de suscitação de dúvida. (TJMT; APL 23689/2010; Juara; Segunda
Câmara Cível; Relª Desª Marilsen Andrade Addário; Julg. 17/08/2011; DJMT
30/08/2011; Pág. 12)
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. SUSCITAÇÃO DE
DÚVIDA. Competência do juízo da Comarca em que se situa a
serventia. Exegese dos arts. 95, IV, do código de divisão e organização
judiciárias e 15 do código de normas da corregedoria-geral de justiça. Conflito
provido. "é da competência do juízo da Comarca onde se situa a serventia
resolver dúvidas suscitadas pelos registradores na execução de suas atividades
delegadas, pouco importando que a dúvida tenha por objeto o cumprimento de
determinação de autoridade judicial do mesmo estado ou de outro estado da
federação. " (TJSC. AC n. 2003.018117-2, de são Francisco do sul, Rel.
Des. Newton janke, segunda câmara de direito civil, julgado em 19.6.2008).
(TJSC; CC 2009.005710-9; Herval D'Oeste; Terceira Câmara de Direito Civil; Rel.
Des. Henry Petry Junior; DJSC 05/11/2009; Pág. 139)
APELAÇÃO CÍVEL. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. IMPROCEDÊNCIA.
MATÉRIA DE NATUREZA ADMINISTRATIVA. SERVIÇO NOTARIAL.COMPETÊNCIA RECURSAL DA
CORREGEDORIA-GERAL DA JUSTIÇA. EXEGESE DA CONSOLIDAÇÃO DAS NORMAS GERAIS DA
CORREGEDORIA-GERAL DA JUSTIÇA (CNGC). REMESSA DOS AUTOS. Conforme
determina a consolidação das normas gerais da corregedoria-geral da justiça,
compete à corregedoria apreciar o recurso interposto contra decisão proferida
em procedimento de suscitação de dúvida. (TJMT; RAC 23497/2008; Capital; Quarta
Câmara Cível; Rel. Des. Benedito Pereira do Nascimento; Julg. 28/07/2008; DJMT
07/08/2008; Pág. 18)
SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. EXTINÇÃO DE HIPOTECA.
DEFERIMENTO. RECURSO DE APELAÇÃO. COMPETÊNCIA. CORREGEDORIA-GERAL DA JUSTIÇA.
CONSOLIDAÇÃO DAS NORMAS DA CORREGEDORIA-GERAL DA JUSTIÇA. SERVIÇO NOTARIAL.
CUNHO ADMINISTRATIVO. Por ser o serviço notarial de cunho administrativo, é
competência da corregedoria-geral da justiça processar e julgar o recurso de
apelação interposto nos autos de suscitação de dúvida nos moldes da
consolidação das normas da corregedoria geral da justiça. (TJMT; RAC 9833/2008;
Alta Floresta; Terceira Câmara Cível; Rel. Des. Carlos Alberto Alves da Rocha;
Julg. 28/07/2008; DJMT 07/08/2008; Pág. 9)
PROCESSO CIVIL. COMPETÊNCIA. REGISTRO PÚBLICO.
SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. LEI N. 6.015/73. INCOMPETÊNCIA DAS CÂMARASDE DIREITO
PÚBLICO. INTERESSE MERAMENTE PRIVADO-ATOREGIMENTAL N. 41/00 E ATO REGIMENTALN.
50/02. RECURSO NÃO CONHECIDO. REMESSA DOS AUTOS A UMA DAS CÂMARAS DE DIREITO
CIVIL As câmaras de direito público são competentes para o
julgamento dos recursos ou ações originárias de direito público em geral, em
que figurem como partes, ativa ou passivamente, o estado, municípios,
autarquias, empresas públicas, fundações instituídas pelo poder
públicoouautoridadesdoestadoedemunicípios, bem comoos feitos relacionados com
atos que tenham origem em delegação defunção pública, cobrança de tributos,
preços públicos, tarifas e contribuições compulsórias do poder público e,
ainda, questões de natureza processual relacionadas com as aludidas causas, bem
como as ações populares, as civis públicas (ato regimental n. 41/00, alterado pelo
ato regimental n. 50/02 - TJ, art. 3º) e ações de acidente do trabalho (ato
regimental n. 57/02 - TJ, art. 2º, § 1º). "falece competência às câmaras
de direito público para apreciar e julgarsuscitação de dúvida, procedimento de
jurisdição voluntária, previsto da Lei dos registros públicos e no código de
normas da corregedoria-geral de justiça" (AC n. 2005.017875-5, de
balneário camboriú, Rel. Des. Luiz cézar medeiros) (TJSC; AC 2006.038072-4;
Palhoça; Rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz; DJSC 09/10/2007)
APELAÇÃO. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. REGISTRO DE PENHORA.
INDEFERIMENTO. CUNHO ADMINISTRATIVO. COMPETÊNCIARECURSAL. CORREGEDORIA-GERAL DA
JUSTIÇA. CONSOLIDAÇÃO DAS NORMAS GERAIS DA CORREGEDORIA-GERAL DA JUSTIÇA.
SERVIÇO NOTARIAL. RECONHECIDA A INCOMPETÊNCIA. Compete à
Corregedoria-Geral da Justiça processar e julgar o recurso de apelação
interposto contra sentença proferida em procedimento de suscitação de dúvida,
nos moldes da Consolidação das Normas da Corregedoria Geral da Justiça. (TJMT;
RAC 29585/2006; Cáceres; Quarta Câmara Cível; Rel. Des. José Silvério Gomes;
Julg. 06/11/2006)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL.
INDISPONIBILIDADE DE BENS. POSSIBILIDADE DE REGISTRO DE PENHORA.
PREJUDICIALIDADE DA MATÉRIA. RECUSA DO CARTÓRIO DE IMÓVEIS. SUSCITAÇÃO DE
DÚVIDA. NÃO FORMALIZADA. COMPETÊNCIA. 1- A matéria atinente à possibilidade ou
não do registro da penhora sobre os bens que tiveram sua indisponibilidade
decretada judicialmente, resta prejudicada no presente recurso, tendo em vista
que a questão já foi objeto de agravo anteriormente interposto pela agravante,
o qual teve negado seu seguimento, por decisão monocrática, que declarou sua
intempestividade. 2- Não há comprovação nos autos de que, em relação à
negativa, pelo Cartório competente, do registro de penhora de imóvel, ordenado
pelo juízo da execução, foi instaurado o procedimento de suscitação de dúvida,
conforme determina o art. 198 e seguintes da Lei nº 6.015/73. Ainda que
instaurada a dúvida, impõe-se reconhecer que tal procedimento é meramente administrativo,
devendo ser decidido pelo juízo corregedor do cartório de registro de imóveis,
à luz do que dispõe a Lei Estadual de organização judiciária, não cabendo ao
juízo da execução dirimir tal controvérsia. 3. Agravo de Instrumento a que se
nega provimento. (TRF 3ª R.; AI 0051657-88.2002.4.03.0000; SP; Sexta Turma;
Rel. Des. Fed. Lazarano Neto; Julg. 18/11/2010; DEJF 26/11/2010; Pág. 1153)
A matéria é por vezes mal compreendida, sendo que alguns juízes tomam o
fato do registrador suscitar dúvida de título de origem judicial como um
verdadeiro desacato.
É preciso se ter em mente que o ato de registro produz efeitos erga omnes, vinculando toda a coletividade, que se verá obrigada a respeitar um direito absoluto, não sendo por outra razão que a Constituição da República de 1988 determinou que a
atividade registral fosse regulamentada, fiscalizada e orientada pelo Poder Judiciário na
esfera administrativa das corregedorias dos tribunais.
No
Espírito Santo essa atividade censório-fiscalizatória fica a cargo da Corregedoria
de Justiça, e, em especial, dos chamados juízes corregedores permanentes, jamais do
juiz emissor do título judicial, embora se possa entender o contrário a partir
da leitura isolada do art.
59, IV, do COJES.
A interpretação desse dispositivo não pode ser literal e estanque. Deve ele ser
harmonizado com o que dispõem os atos do Corregedor-Geral do Espírito Santo,
através de uma interpretação sistemática que priorize a garantida competência
privativa dos tribunais de justiça para estabelecerem a competência de seus
órgãos judiciais e administrativos (CR/88, art. 96, I, “a” e “b”).
II - DA COMPETÊNCIA PARA O CONHECIMENTO E
JULGAMENTO DAS DÚVIDAS E CONSULTAS EM MATÉRIA NOTARIAL E
REGISTRAL TENDO POR ENFOQUE O CNCGJES
A
competência do juiz corregedor permanente na esfera administrativa,
relativamente às consultas e dúvidas de notários e registradores, resta
devidamente definida em diversos artigos do Código de Normas da Corregedoria
Geral do Espírito Santo – CNCGJES, a começar pelo artigo 1103:
CNCGJES
Art. 1103. Diante
das peculiaridades do caso concreto cabe ao registrador recorrer ao processo de
dúvida perante o juiz de direito competente para análise da matéria de
registros públicos da Comarca.
E
essa atividade consistente em responder a consultas e dúvidas dos notários e
registradores é uma atividade de orientação técnica, devendo ser exercida pelo
juízo especializado em registros públicos. Trata-se de atividade correicional de
caráter permanente, conforme os artigos 7º, 8º e 11, do CNCGJES:
CNCGJES
Art. 7º. A Corregedoria Geral da Justiça é órgão
de fiscalização administrativa, judicial, disciplinar e de orientação administrativa, com jurisdição em todo o Estado do
Espírito Santo.
CNCGJES
Art. 8º. A função correicional consiste na orientação, fiscalização e inspeção permanente
sobre todos os juízes, secretarias, cartórios e servidores da justiça,
auxiliares da justiça, ofícios de justiça, serventuários e serventias do foro extrajudicial, serviços auxiliares, polícia
judiciária e unidades prisionais, sendo
exercida em todo o Estado pelo Corregedor-geral da Justiça e, nos limites das
suas atribuições, pelos juízes Corregedores.
CNCGJES
Art. 11.
A função correicional realizar-se-á por meio de
correições ordinárias ou extraordinárias, gerais ou parciais e inspeções
correicionais de caráter permanente.
[...]
§ 6º A inspeção nos
Serviços Notariais e de Registro, de caráter permanente, será exercida pelo
Juiz de Direito titular da Vara dos Registros Públicos nas Comarcas e Juízos
que dispuser da Vara Especializada ou, não havendo, do Juiz Diretor do
Fórum, que enviará, anualmente, ao Corregedor-Geral da Justiça, relatório dessa
atividade, por via eletrônica, assinado digitalmente.
Preceitua
o artigo 14 do CNCGJES, que em caso de dúvidas relativas ao serviço
extrajudicial, os serventuários deverão procurar, primeiramente, o juiz responsável pelo cartório, sendo que o
§ 2º do mesmo artigo estabelece que as consultas enviadas diretamente ao Órgão
Correicional somente serão conhecidas se acompanhadas da comprovação de que
foram formuladas ao magistrado e não restaram atendidas no prazo de 10 (dez)
dias:
CNCGJES
Art. 14. Em
caso de dúvidas ou reclamações relativas ao serviço judicial ou
extrajudicial, os servidores e serventuários da Justiça deverão procurar, primeiramente,
o juiz responsável pelo cartório ou
o Juiz de Direito Diretor do Fórum, no âmbito de sua atribuição e competência, que deverá resolvê-las.
§ 1º Encontrando dificuldades ou não dispondo de meios
para tal, o magistrado poderá socorrer-se da Corregedoria Geral da Justiça, com
o escopo de dirimir as questões suscitadas.
§ 2º As consultas enviadas diretamente ao Órgão
Correicional somente serão conhecidas se acompanhadas da comprovação de que
foram formuladas ao magistrado e não restaram atendidas no prazo de 10 (dez)
dias.
No
mesmo sentido, dispõe o art. 542 do CNCGJES quando proíbe aos registradores e
aos notários suscitarem dúvidas diretamente à Corregedoria, sem que antes o
façam ao juiz competente:
CNCGJES
Art. 542. É vedado aos registradores e aos
notários:
[...]
IV – suscitar dúvidas diretamente à Corregedoria, sem
que antes o façam ao juiz competente.
O
juiz da vara especializada em registros públicos e o juiz diretor do Fórum onde
não houver vara especializada em registros públicos, assim como o
Corregedor-Geral da Justiça, são investidos na competência para expedir normas técnicas em matéria de
procedimento dos serviços notariais e registrais, conforme previsto no art.
545, XIV, do Código de Normas - norma essa que repete a do art. 30, XIV, da Lei
8.935/94 -, in verbis:
CNCGJES
Art. 545. São deveres dos notários e
registradores:
[...]
XIV – observar as normas técnicas estabelecidas
pelo juízo competente.
Em
diversos outros artigos, o CNCGJES estabelece que o juízo competente para dirimir
as dúvidas é o juízo da vara especializada em registros públicos – ou o juiz
diretor do Fórum quando não houver -, tal como acontece nos seguintes casos:
CNCGJES
Art. 548. Para o cálculo de custas, emolumentos e
contribuições com base em valores tributários, o delegado do Serviço Notarial e
de Registro admitirá aqueles fixados no último lançamento da Prefeitura
Municipal, quando se tratar de imóvel urbano, ou pelo órgão federal competente,
no caso de imóvel rural.
§ 2º Para
dirimir dúvidas sobre a cobrança de custas, emolumentos, contribuições
e despesas, o titular ou substituto
legal do Serviço Notarial e de Registro poderá formular consulta por escrito ao
Juiz de Direito da Vara de Registros Públicos ou ao Juiz Diretor do
Fórum, onde não houver Vara de Registros Públicos.
CNCGJES
Art. 627. Incumbe ao notário:
[...]
XVIII - dar cumprimento às ordens judiciais, solicitando orientação em caso de dúvida.
CNCGJES
Art. 1147. Nos desmembramentos, o registrador
sempre com o propósito de obstar
expedientes ou artifícios que visem a afastar a aplicação da Lei Federal n.
6.766/79, cuidará de examinar, com seu prudente critério e baseado em elementos
de ordem objetiva, especialmente na qualidade de lotes parcelados, se é o
caso ou não da hipótese de incidência do registro especial. Na dúvida, submeterá o caso à apreciação
do Juiz de Direito da Vara de Registros Públicos.
O
art. 612 do CNCGJES estabelece que o juiz de direito da vara de registros
públicos esclarecerá dúvidas suscitadas pelos notários e registradores, senão
vejamos:
CNCGJES
Art. 612. O
Juiz de Direito da Vara de Registros Públicos, na Comarca da Capital, e
os Juízes Diretores de Fórum, nas Comarcas do interior, zelarão no âmbito de suas atribuições, pela observância desta norma,
fiscalizando a sua execução e, sob a orientação da Corregedoria Geral da
Justiça, esclarecendo dúvidas suscitadas pelos notários e registradores.
Note-se
que em nenhum momento o CNCGJES investe o juiz emissor do título na competência
para decidir matéria técnico-administrativa contida em suscitação de dúvida
relativa a eventuais óbices que impedissem o registro de um título judicial.
A
questão posta, portanto, seria a da aparente antinomia entre o que dispõe o
art. 59, IV, do COJES, e o que passou a dispor o atual CNCGJES, ao tratar da mesma matéria.
Não
fosse o CNCGJES um ato de natureza administrativa, a resposta seria simples,
qual seja: a de que o COJES teria sido derrogado. Mas o CNCGJES não
é lei em sentido formal, e tratando-se de um ato normativo a questão é saber se
confrontado com o art. 59, IV, do COJES, prevaleceria ele, o ato, ou se prevaleceria a lei?
Em um primeiro momento a tendência seria pensar que o Código de Normas teria extrapolado o seu poder regulamentador. Pretendemos demonstrar aqui justamente o contrário, pois acreditamos que a questão deva ser colocada sob o enfoque do que dispõem os artigos 96, I, alíneas “a” e “b”, e 99, ambos da CR/88, e sob a luz da consagrada autonomia do Poder Judiciário.
Em um primeiro momento a tendência seria pensar que o Código de Normas teria extrapolado o seu poder regulamentador. Pretendemos demonstrar aqui justamente o contrário, pois acreditamos que a questão deva ser colocada sob o enfoque do que dispõem os artigos 96, I, alíneas “a” e “b”, e 99, ambos da CR/88, e sob a luz da consagrada autonomia do Poder Judiciário.
III - DA ANTINOMIA ENTRE O ART. 59, IV, DO
COJES, E AS DISPOSIÇÕES CONTIDAS NO CNCGJES, E A AUTONOMIA PREVISTA NOS ARTS.
96 E 99 DA CR/88
O CNCGJES
é uma norma infralegal, não podendo os tribunais legislar, função que compete
ao Poder Legislativo. Contudo, os tribunais são dotados de autonomia
administrativa, competindo-lhes privativamente dispor sobre a competência e funcionamento dos respectivos
órgãos jurisdicionais e administrativos, velando pelo exercício da atividade
correicional respectiva, conforme preceituam os artigos 96, I, alíneas “a”
e “b”, e 99, ambos da CR/88:
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988
Art. 96. Compete
privativamente:
I - aos tribunais:
a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus
regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias
processuais das partes, dispondo sobre a
competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e
administrativos;
b) organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os
dos juízos que lhes forem vinculados, velando
pelo exercício da atividade correicional respectiva;
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988
Art. 99. Ao Poder Judiciário é assegurada
autonomia administrativa e financeira.
Ocorre que muito embora se trate de um
assunto inerente ao Poder Judiciário, sendo dos tribunais a iniciativa da lei,
muitas vezes o Poder Legislativo, ao apreciar o projeto de lei que a ele é
encaminhado pelo Poder Judiciário, acaba modificando-o e transfigurando a sua
apresentação original, o que acaba por fazer letra morta da competência
privativa dos tribunais para disporem sobre “a competência e o funcionamento
dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos”. Daí a já reconhecida
possibilidade dos tribunais disporem sobre a matéria através de atos
administrativos.
E
não é preciso ir muito longe para encontrar quem pense assim. O Juiz capixaba
Ezio Luiz Pereira, em artigo divulgado em seu site na internet,
intitulado Exame á Luz do Princípio Constitucional da Eficiência da
Administração Pública de Qualquer dos Poderes, sustenta a possibilidade dos
tribunais alterarem o critério de competência de vara judicial para fins de
melhor atenderem aos reclamos de eficiência na prestação do serviço
jurisdicional:
Quando se
volve o olhar para o art. 96, inciso I, alínea “b”, da Constituição Federal,
verificar-se-á que o texto normativo maior apregoa, com todas as letras, que
“compete privativamente aos tribunais” organizar os serviços dos juízos que
lhes forem vinculados. Isso significa afirmar, do pondo de vista de uma linha
hermenêutica vanguardista eficaz, que, a rigor, a criação de uma vara judicial
depende de lei, porém a sua adequação à realidade social dinâmica, dentro da
conveniência administrativa, pode ser redefinida sempre que houver necessidade
desse remodelamento, sem que isso quebre o princípio da legalidade. Essa linha
de pensamento se coaduna com um Estado Democrático Contemporâneo Eficiente,
numa mirada desburocratizante.
À sombra
desse raciocínio, o art. 99, caput, da Constituição Federal, assevera que “ao
Poder Judiciário” é assegurada a “autonomia administrativa”, de sorte que, num
diálogo interno de fontes normativas constitucionais, dentro de um olhar
interpretativo sistemático e contextual, não se pode concluir diferente – a
menos que se queira em retrocesso social e ortodoxia legalista obsoleta –
pensar num olhar exegético apequenado para diminuir essa autonomia sob uma
subserviência legislativa exacerbada, num caminhar de contramão da história, o
que conduzirá a um óbice burocrático às ações do Poder Judiciário comprometido
com a eficiência administrativa.
Ainda sob
esse viés, o art. 125, da Constituição Federal, no mesmo tom, assevera que “os
Estados organizarão sua justiça, observados os princípios estabelecidos nesta
Constituição”, dentre os quais – não se pode negar – o princípio da eficiência
gizado no art. 37 da Constituição Federal. Assim é que, o Estado do Espírito
Santo, ao elaborar o seu Texto Constitucional Estadual, estabeleceu, em seu
art. 108, inciso I, que compete privativamente ao Tribunal de Justiça “dispor
sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e
administrativos”. Ora bem, “dispor” sobre a “competência” e o “funcionamento”
induz à veracidade do que aqui se defende. Comportamento esse, aliás, que tem
encontrado respaldo em inúmeros precedentes pretorianos.
Na mesma
seqüência de idéias, o art. 18 da Lei Estadual n. 234/2002 (Código de
Organização Judiciária do Estado do Espírito Santo) preconiza que compete
privativamente ao Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, “organizar
os seus serviços auxiliares”. Adiante, o art. 130 desse Diploma Legal Estadual,
proclama que compete, “além da atribuição geral prevista no Regimento Interno”,
ao Presidente do Tribunal de Justiça, “a superintendência de todos os serviços
judiciários”. Ora bem, se a adequação e a redefinição da competência de uma
vara judiciária estão ligadas á superintendência de um serviço judiciário,
consequentemente, há possibilidade de, através de resolução (ato administrativo
inclusive de gestão), alteração/adequação de competência de uma vara, dentro de
um critério de razoabilidade, sobretudo porque não trará quaisquer prejuízos.
[...]
O que se vem
a dizer, hic et nunc, é que, no uso de suas atribuições constitucionais e
legais, o Tribunal de Justiça Estadual, pelo seu Presidente, poderá alterar,
sim, no sentido de adequação social eficiente, a competência de uma vara
judicial, haja vista que ao Poder Judiciário é dado, no exercício da autonomia
administrativa que a Constituição Federal lhe confere, fixar a competência dos
órgãos judicantes que o integram, sem que isso represente a quebra do princípio
da separação dos poderes. Ao revés, trata-se de uma releitura das diretrizes
constitucionais garantísticas para a prestação de serviço público eficiente,
numa linha oxigenada contemporânea.
Em tom de
conclusão, não se pode deixar de anotar – em salutar reflexão – que a
alteração/redefinição da competência de uma vara judicial feita pelo Tribunal
de Justiça, por seu Presidente, no sentido de adequação, no uso do poder
discricionário (na díade: conveniência e oportunidade), dentro de um dinamismo
social, não constitui apenas uma prerrogativa do poder, mas uma necessidade do
dever, para o cumprimento de uma função estatal eficiente cuja finalidade é a
prestação jurisdicional socialmente útil e eficazmente adequada ao dinamismo
social. É uma ilação e de bom senso, em breves considerações, a menos que se
queira, num conservadorismo inútil e desnecessário, estabelecer um retrocesso
social, “em nome da lei”.
(Fonte:<http://www.ezioluiz.com.br/2012/02/11/possibilidade-de-redefinicao-de-competencia-de-vara-judicial-por-meio-de-resolucao/>
Acesso em 19-04-2012, às 08:50hs)
No
mesmo sentido é o pensamento de Nagib Slaib Filho, que acerca da questão da
autonomia administrativa dos tribunais, assim já se manifestou:
dispensa à
matéria tratamento diferenciado, o que decorre de razões políticas de
organização dos Poderes da República e de razões históricas.
São diversas
as disposições constitucionais abrangentes da organização judiciária, embora
muitas vezes não se refiram expressamente à matéria.
Por exemplo,
a Constituição assegura aos tribunais
(arts. 93 e 96, II) a iniciativa
de leis que digam respeito aos magistrados, mas nega-lhes o poder de dispor
sobre sua própria competência (o que é previsto na própria Constituição da
República e na Constituição do Estado – art. 125) e sobre a competência dos
juízos (o que é privativo de lei, nos termos do art. 96, II, d, embora tenha
sido interpretado que lei estadual poderá delegar ao tribunal o poder de
regular a criação, extinção ou modificação da competência dos órgãos
judiciários, desde que não haja aumento de despesa, a símile do que está no
art. 84, VI, da Constituição, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº
32, de 11 de setembro de 2001) <http://portaltj.tjrj.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=e72e40ca-31d9-4cea-8ca6-b155a0e7c6ab&groupId=10136>Acessado
em 25-04-2012 às 22:48hs.
O
Excelso Supremo Tribunal Federal, a quem incumbe dar a palavra final sobre o
assunto, também já se manifestou pela possibilidade dos tribunais, com base na
competência privativa assegurada pelo art. 96, I, a, da CR/88, alterarem a
competência das varas judiciais, senão vejamos:
O Provimento
275, de 11 de outubro de 2005, do Conselho da Justiça Federal da 3ª Região,
especializou a 3ª Vara Federal de Campo Grande/MS, atribuindo-lhe competência
exclusiva para processar e julgar os crimes contra o sistema financeiro
nacional e os crimes de ‘lavagem’ ou ocultação de bens, direitos e valores. Não há que se falar em violação aos
princípios constitucionais do devido processo legal, do juiz natural e da
perpetuatio jurisdictionis, visto que a leitura interpretativa do art. 96, I,
a, da CF, admite que haja alteração da competência dos órgãos do Poder
Judiciário por deliberação dos tribunais. No caso ora examinado houve simples
alteração promovida administrativamente, constitucionalmente admitida, visando
a uma melhor prestação da tutela jurisdicional, de natureza especializada da 3ª
Vara Federal de Campo Grande, por intermédio da edição do Provimento 275 do
Conselho da Justiça Federal da 3ª Região. Precedente. (HC 94.146, Rel.
Min. Ellen Gracie, julgamento em 21-10-2008, Segunda Turma, DJE de 7-11-2008.)
No mesmo sentido: HC 96.104, Rel. Min.Ricardo Lewandowski, julgamento em
16-6-2010, Primeira Turma, DJE de 6-8-2010. (grifos do Suscitante)
Postulado do
Juiz natural. Especialização de
competência (ratione materiae). Resolução de tribunal de justiça. Legitimidade
do Ministério público. Alegação de possível violação do princípio do juiz
natural em razão da resolução baixada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Norte. Reconhece-se ao Ministério Público a faculdade de
impetrar habeas corpus e mandado de segurança, além de requerer a correição
parcial (...). A legitimidade do Ministério Público para impetrar habeas corpus
tem fundamento na incumbência da defesa da ordem jurídica e dos interesses
individuais indisponíveis (...), e o Ministério Público tem legitimidade para
impetrar habeas corpus quando envolvido o princípio do juiz natural (...). O mérito envolve a interpretação da
norma constitucional que atribui aos tribunais de justiça propor ao Poder
Legislativo respectivo, em consonância com os limites orçamentários, a
alteração da organização e divisão judiciárias (...). O Poder Judiciário tem
competência para dispor sobre especialização de varas, porque é matéria que se
insere no âmbito da organização judiciária dos Tribunais. O tema referente à
organização judiciária não se encontra restrito ao campo de incidência
exclusiva da lei, eis que depende da integração dos critérios preestabelecidos
na Constituição, nas leis e nos regimentos internos dos tribunais. A leitura
interpretativa do disposto no art. 96, I, a e d, II, d, da CF, admite que haja
alteração da competência dos órgãos do Poder Judiciário por deliberação do
tribunal de justiça, desde que não haja impacto orçamentário, eis que houve
simples alteração promovida administrativamente, constitucionalmente admitida,
visando a uma melhor prestação da tutela jurisdicional, de natureza
especializada. (HC 91.024, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em
5-8-2008, Segunda Turma, DJE de 22-8-2008.) (grifos do Suscitante)
Se
o STF entende possível a alteração de competência de vara através de resolução
dos tribunais, maior formalidade não poderia ser exigida para a alteração de
competência na esfera administrativa dos órgãos censório-fiscalizatórios do
foro extrajudicial que compõem as corregedorias de justiça dos tribunais.
E essa conclusão parte também de uma leitura do que dizem a Constituição e a Lei dos Notários e Registradores, sendo oportuno agora conferir o que estabelecem ambos os textos.
E essa conclusão parte também de uma leitura do que dizem a Constituição e a Lei dos Notários e Registradores, sendo oportuno agora conferir o que estabelecem ambos os textos.
Os serviços notariais e de registro encontram previsão no art. 236, § 1º, da CR/88, que assim estabelece:
Art. 236. Os serviços notariais e de registro são
exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.
§ 1º - Lei regulará as atividades,
disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de
registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder
Judiciário.
A regulamentação desse dispositivo veio com a Lei Federal n. 8.935/94 (Estatuto dos Notários e Registradores), que em seu
artigo 37 conferiu ao juízo competente, assim entendido como aquele definido na
órbita estadual e do Distrito
Federal, o poder de fiscalizar os atos notariais e de registro:
Art. 37. A fiscalização judiciária dos atos notariais e de
registro, mencionados nos arts. 6º e 13, será exercida pelo juízo competente,
assim definido na órbita estadual e do Distrito Federal, sempre
que necessário, ou mediante representação de qualquer interessado, quando da
inobservância de obrigação legal por parte de notário ou de oficial de
registro, ou de seus prepostos.
O
art. 37 não diz que o juízo competente será estabelecido em lei estadual e/ou distrital. Diz que: será definido na órbita estadual ou distrital, conforme o caso, não impondo que isso se dê por meio de lei em sentido formal.
Assim, não se pode negar que o art. 37 da Lei Federal n. 8.935/94 atendeu corretamento os arts. 96 e 99 da CR/88 ao utilizar a expressão “órbita” ao invés da expressão “lei”. Esse fato, aliás, nos faz lembrar do brocardo a lei não contem palavras inúteis. Não fosse assim, o legislador teria se utilizado da expressão, inclusive chavão, "na forma da lei", ou "em lei" - que no caso seriam a estadual e a do Distrito Federal.
Sob essa
perspectiva, o CNCGJES, por ser
posterior ao COJES, a ele deve prevalecer, não consistindo em qualquer
empecilho o fato do CNCGJES ser uma norma de natureza administrativa e o COJES lei em sentido formal.
IV - DA SUBMISSÃO DOS TÍTULOS JUDICIAIS AO
EXAME QUALIFICADOR E À SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA
Conforme já exposto no início deste ensaio, o nosso entendimento é o de que não
existe conflito entre uma decisão que na esfera judicial determina a penhora de
um determinado imóvel, por exemplo, e uma outra na esfera administrativa que obsta o
registro dessa penhora.
O
juiz que determina a penhora encontra-se exercendo o poder jurisdicional, e o
juiz corregedor que eventualmente decide procedimento de dúvida levantado em
função de algum óbice que impede a realização da penhora encontra-se exercendo
uma atividade administrativa.
Da mesma forma acontece em
uma contenda judicial que envolva o cumprimento de obrigação de fazer, como no caso em que se litiga pela outorga de uma escritura definitiva de compra e venda de imóvel. Em casos desse jaez, a sentença de procedência nada mais faz do que
substituir a manifestação de vontade do devedor, consistente na assinatura da
escritura pública definitiva de aquisição do domínio.
A eventual carta de adjudicação oriunda dessa ação de obrigação de fazer não logrará registro se, por exemplo, o imóvel não estiver registrado em nome daquele que o prometeu vender. O registrador expedirá laudo de exigências tendo em mente o que diz o artigo 195 da Lei Federal n. 6.015/73:
Art. 195 - Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.
Assim, o fato de tratar-se de título de origem judicial pouco importa, pois a sentença tem força de lei nos limites da lide e das questões por ela decididas, fazendo coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando e nem prejudicando terceiros, conforme estabelecido nos artigos 468, 469 e 472 do CPC:
Art. 468. A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas.
A eventual carta de adjudicação oriunda dessa ação de obrigação de fazer não logrará registro se, por exemplo, o imóvel não estiver registrado em nome daquele que o prometeu vender. O registrador expedirá laudo de exigências tendo em mente o que diz o artigo 195 da Lei Federal n. 6.015/73:
Art. 195 - Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.
Assim, o fato de tratar-se de título de origem judicial pouco importa, pois a sentença tem força de lei nos limites da lide e das questões por ela decididas, fazendo coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando e nem prejudicando terceiros, conforme estabelecido nos artigos 468, 469 e 472 do CPC:
Art. 468. A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas.
Art.
469. Não fazem coisa julgada:
I - os motivos, ainda que importantes para
determinar o alcance da parte dispositiva da sentença;
II - a verdade dos fatos, estabelecida como
fundamento da sentença;
III - a apreciação da questão prejudicial,
decidida incidentemente no processo.
Art.
472. A sentença faz coisa julgada às partes entre
as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas
relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em
litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa
julgada em relação a terceiros.
Aliás, se o devedor assinasse a escritura espontaneamente e sem a necessidade de intervenção do Estado-juiz, seria a escritura também examinada sob o aspecto formal, aferindo-se dentre outras coisas se quem está alienando o imóvel realmente detém o domínio.
O fato do devedor se recusar a assinar a escritura e o fato de sua assinatura ser substituída por uma sentença, não significam que o título a ser expedido para registro, seja ele uma carta de adjudicação ou um mandado, estivesse imune ao exame qualificador. Se ao recepcionar o título o registrador verificar que quem prometeu vender não é dono, a qualificação será negativa e o título será baixado em exigência.
Se as cartas de adjudicação compulsória
não estivessem sujeitas ao exame qualificador, ações de obrigação de fazer e de
adjudicação compulsória poderiam ser usadas para fazer ingressar de certo modo "à força" no
registro imobiliário negócios jurídicos que jamais ingressariam pelos meios
normais.
O ato de registro, se praticado, gerará efeitos para além das partes no processo.
Desse registro nascerá o direito real, que é absoluto e oponível erga omnes, fato de indiscutível
interesse da coletividade, que se verá obrigada a respeitar o referido direito. Já o direito debatido em juízo entre credor e devedor, no exemplo citado, não
extrapola o plano meramente obrigacional ou pessoal, sendo, portanto, um direito relativo.
A sentença, não possuindo efeitos erga omnes, deve ser considerada apenas como um ato preparatório do pretendido direito real, e não um ato dele constitutivo. O direito real somente se constituirá em favor do credor com o efetivo registro da carta de adjudicação – ou do mandado de transferência de domínio, como preferem alguns juízes mandar expedir -, e desde que o imóvel encontre-se registrado em nome do alienante junto ao registro de imóveis.
A sentença, não possuindo efeitos erga omnes, deve ser considerada apenas como um ato preparatório do pretendido direito real, e não um ato dele constitutivo. O direito real somente se constituirá em favor do credor com o efetivo registro da carta de adjudicação – ou do mandado de transferência de domínio, como preferem alguns juízes mandar expedir -, e desde que o imóvel encontre-se registrado em nome do alienante junto ao registro de imóveis.
Como
se pode ver, o ato de registro da carta, ao contrário da sentença - que opera
efeito apenas entre as partes -, contém o potencial de interferir na esfera
jurídica de terceiros, alheios ao processo.
Podemos ousar dizer que a segurança jurídica resguardada pelos registros de imóveis encontra-se no âmbito dos direitos difusos e coletivos. E é esta a razão, inclusive, pela qual entendemos necessária a intervenção do Parquet em todas as ações que envolvam registros públicos. Lamentavelmente, alguns membros do Parquet, e até mesmo alguns renomados doutrinadores, não pensam assim.
Podemos ousar dizer que a segurança jurídica resguardada pelos registros de imóveis encontra-se no âmbito dos direitos difusos e coletivos. E é esta a razão, inclusive, pela qual entendemos necessária a intervenção do Parquet em todas as ações que envolvam registros públicos. Lamentavelmente, alguns membros do Parquet, e até mesmo alguns renomados doutrinadores, não pensam assim.
Contudo, e com o devido respeito às respeitáveis vozes em sentido contrário, não fossem os efeitos erga omnes dos atos de registro a CR/88 não teria dispensado especial tratamento às atividades de notas e de registro. Não fosse a presença do interesse público, não teria estabelecido a necessária delegação da função registral a particulares – os registradores de
imóveis -, sob a fiscalização e regulamentação do Poder Judiciário.
E é justamente isso o que explica porque tanto os títulos judiciais como aqueles produzidos por instrumento
público ou particular, quando apresentados para registro ou averbação, estão
sujeitos ao chamado exame de qualificação, devendo o registrador imobiliário verificar
a sua legalidade.
Várias
são as decisões das corregedorias dos tribunais no sentido de que o título
judicial também se submete à qualificação registrária, valendo aqui citar
algumas delas:
REGISTRO DE
IMÓVEIS. TÍTULO JUDICIAL TAMBÉM SE SUBMETE À QUALIFICAÇÃO REGISTRÁRIA. A
DECRETAÇÃO DE FRAUDE À EXECUÇÃO SÓ DÁ POR INEFICAZ A ALIENAÇÃO DO BEM EM RELAÇÃO AO EXEQUENTE ,
SEM A PRODUÇÃO DE EFEITOS “ERGA OMNES”. OBEDIÊNCIA AO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE
REGISTRÁRIA. RECURSO PROVIDO, PARA QUE A DÚVIDA SEJA JULGADA IMPROCEDENTE.
(Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, D.O. 28.11.2007)
REGISTRO DE
IMÓVEIS. DÚVIDA INVERSAMENTE SUSCITADA. TÍTULO JUDICIAL TAMBÉM SE SUBMETE À
QUALIFICAÇÃO REGISTRÁRIA. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA AO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE,
ANTE A CITAÇÃO, NA AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA, DOS HERDEIROS DO
CO-PROPRIETÁRIO FALECIDO, BEM COMO DOS DEMAIS TITULARES DOMINIAIS TABULARES E
SEUS CÔNJUGES. ADEMAIS, DECISÃO PROLATADA NA ESFERA JURISDICIONAL JÁ ANALISOU
ESPECIFICA E EXATAMENTE TAL QUESTÃO, DANDO-A POR SUPERADA. AVERBAÇÃO RELATIVA
AOS CÔN ADMISSÍVEL O INGRESSO AO FÓLIO DA CARTA DE SENTENÇA. (CSM/SP, D.O.
07.03.2008)
REGISTRO DE
IMÓVEIS. DÚVIDA INVERSAMENTE SUSCITADA. TÍTULO JUDICIAL TAMBÉM SE SUBMETE À
QUALIFICAÇÃO REGISTRÁRIA. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA LEVADO A REGISTRO.
POSTERIOR PROMESSA DE CESSÃO REALIZADA POR UMA DAS DUAS
COMPROMISSÁRIAS-COMPRADORAS, EM PROL DA OUTRA , MEDIANTE ACORDO HOMOLOGADO
JUDICIALMENTE. ADMISSÍVEL O INGRESSO AO FÓLIO DA CARTA DE SENTENÇA DELE
DECORRENTE. (CSM/SP, Gilberto Passos de Freitas, Corregedor Geral da Justiça e
Relator)
REGISTRO DE
IMÓVEIS. TÍTULO JUDICIAL TAMBÉM SE SUBMETE À QUALIFICAÇÃO REGISTRÁRIA. CERTIDÃO
DE PENHORA. INVIABILIDADE DO REGISTRO, POR FORÇA DO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE.
NECESSIDADE DE PRÉVIO ACESSO AO FÓLIO DO COMPROMISSO DE VENDA E COMPRA
CELEBRADO PELO EXECUTADO, QUE, PARA TANTO, DEVE SER EXIBIDO EM SUA VIA ORIGINAL.
DÚVIDA PROCEDENTE. (CSM/SP, D.O. 29.01.2008)
REGISTRO DE
IMÓVEIS. DÚVIDA PROCEDENTE. MANDADO DE PENHORA DE ÁREA REMANESCENTE DE IMÓVEL
OBJETO DE TRANSCRIÇÃO IMOBILIÁRIA. TÍTULO JUDICIAL QUE NÃO É IMUNE À
QUALIFICAÇÃO REGISTRÁRIA. IMÓVEL PRIMITIVO QUE SOFREU VÁRIOS DESTAQUES (PARTE
EXPROPRIADA, PARTE VENDIDA, PARTE DOADA), DESFIGURANDO-O. NECESSIDADE DA PRÉVIA
APURAÇÃO DO REMANESCENTE PARA O INGRESSO DO TÍTULO JUDICIAL NO FÓLIO REAL, SOB
PENA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DE ESPECIALIDADE OBJETIVA. (CSM/SP, D.O.
28.11.2007)
REGISTRO DE
IMÓVEIS. TÍTULO JUDICIAL TAMBÉM SE SUBMETE À QUALIFICAÇÃO REGISTRÁRIA. A
DECRETAÇÃO DE FRAUDE À EXECUÇÃO SÓ DÁ POR INEFICAZ A ALIENAÇÃO DO BEM EM RELAÇÃO AO EXEQUENTE ,
SEM A PRODUÇÃO DE EFEITOS “ERGA OMNES”. OBEDIÊNCIA AO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE
REGISTRÁRIA. (CSM/SP, D.O. 28.11.2007)
REGISTRO DE
IMÓVEIS – TÍTULO JUDICIAL TAMBÉM SE SUBMETE À QUALIFICAÇÃO REGISTRÁRIA –
MANDADO DE PENHORA – INVIABILIDADE DO REGISTRO, POR FORÇA DO PRINCÍPIO DA
CONTINUIDADE (CSM/SP, DLI nº 12 - ano:2007)
A
Terceira Turma do Colendo Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso em
Mandado de Segurança n. 9.372-SP, firmou o entendimento de que o registrador
pode suscitar dúvida ex offício dos títulos
judiciais que não revistam as formalidades necessárias para o registro:
Recurso em
Mandado de Segurança. Registro de imóvel. Ação de Divisão. Suscitação de
Dúvida. Cabimento.
I – Tendo em vista os princípios da disponibilidade,
especialidade e continuidade que norteiam os registros públicos,
assegurando-lhes a confiabilidade dos mesmos, pode o Oficial do Registro
suscitar dúvida, independentemente de ser título judicial ou extrajudicial.
II – Não
preenchidos os requisitos exigidos para a pretendida transcrição no Registro de
Imóveis, inexiste o alegado direito líquido e certo a ser amparado pelo
mandamus.
III – Recurso
em mandado de segurança desprovido. (GRIFOS NOSSOS)
Em
seu voto, o relator, Eminente Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, citando ensinamentos
de Maria Helena Diniz (In Sistemas de Registro de Imóveis) e Avelino se Barbosa
(Títulos Judiciais no Registro de Imóveis), assim consignou:
Maria Helena
Diniz afirma que “o procedimento registrário é de inteira responsabilidade do
Cartório e do serventuário, que deverá examinar os títulos apresentados,
extrair elementos para a matrícula e observar rigorosamente todas as exigências
legais para que se possa fazer o assento do título que lhe foi exibido.” (In
Sistemas de Registro de Imóveis, pág. 243).
Avelino se
Barbosa, em seu livro “Títulos Judiciais no Registro de Imóveis” também
sustenta: “Todas as providências euremáticas que, em razão do cargo, são
exigidas do oficial visam contribuir para a segurança e eficácia jurídica dos
atos ou negócios registrados. Por isso, quanto à função qualificadora, o
ordenamento jurídico não faz distinção entre títulos públicos, judiciais e
extrajudiciais, e títulos particulares.
No pertinente
aos títulos originados em sede judicial, o registrador imobiliário não pode
omitir-se de efetuar o devido exame e conseqüente qualificação. Inconcusso que
essa função qualificadora extensiva aos títulos jurisdicionais não pode ser
considerada como concessão ao oficial de uma atividade revisora de atos
judiciais a ele submetidos, mas ele a exerce em decorrência do encargo de
guarda da segurança jurídica e da regularidade do Registro Público.”
Transcreve,
ainda, inúmeros precedentes que corroboram o entendimento eleito, todos
extraídos da obra de Maria Helena Diniz, senão vejamos:
AC 993-0,
Iguape, 11-5-1982 – Não há distinção na lei entre títulos judiciais e
extrajudiciais para fins de exame pelo Oficial do Registro de Imóveis. Ambos
podem ser objeto de dúvida.
AC 1.558-0,
Palmital, 3-11-1982 – Os títulos judiciais também são susceptíveis de
suscitação de dúvida, na medida em que também podem não se ajustar aos
princípios norteados do Registro de Imóveis.
AC 452-0,
Guarujá, 11-11-1981 – Os mandados judiciais, como qualquer outro título, são
suscetíveis de apreciação, pelo Oficial, à luz dos princípios normativos dos
Registros Públicos. Também em relação a eles pode ser suscitada dúvida.
RT, 582:88 –
A origem judicial do título não o alivia do ônus de satisfazer os requisitos de
ingresso no Registro Imobiliário, mui especialmente cabendo ao oficial velar
pela observância dos princípios normativos que são peculiares aos Registros
Imobiliários, dentre eles, com destaque, o da continuidade dos registros.
RT, 585:85 –
A origem judicial dos títulos não os alivia do exame pelo oficial, tendo em
conta os princípios registrários, sendo certo que, se ao registrador não é dado
objetar às partilhas julgadas, também não pode deixar de lado o controle que
lhe cabe, indiscutivelmente, p. ex., sobre a obediência aos princípios da
continuidade e da especialidade, RT, 551:101; 286:908 – RT, 539:103; 271.597 –
RT, 517:121; 271.182; 269.827 – RT, 515:112; 980-0; 993-0.
Quanto
ao profanado crime de desobediência, que em tese a qualificação registraria de
um título judicial caracterizaria, o EXCELSO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, ao
julgar o Habeas Corpus n. 85.911-9, assim já decidiu:
REGISTRO PÚBLICO – ATUAÇÃO DO TITULAR – CARTA DE
ADJUDICAÇÃO – DÚVIDA LEVANTADA – CRIME DE DESOBEDIÊNCIA – IMPROPRIEDADE
MANIFESTA. O cumprimento
do dever imposto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de
carta de adjudicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara
competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no artigo
330 do Código Penal – crime de desobediência -, pouco importando o acolhimento,
sob o ângulo judicial, do que suscitado.
No
precedente em análise, o Ministro Marco Aurélio, relator do habeas, assim consignou em seu brilhante
voto:
Difícil é
imaginar-se que se chegue à necessidade de impetração, no Supremo, de habeas
para afastar constrangimento como o retratado neste processo. Tudo se deve à visão distorcida quanto à
organicidade do Direito, às atribuições dos órgãos públicos, sendo certo
que o ato da Turma Recursal, indeferindo ordem em habeas, fez-se alicerçado na
premissa de que não se teria ainda recebido a denúncia. Olvidou-se não só o
instituto da impetração preventiva, como também a circunstância de
consubstanciar constrangimento ilegal, contexto em que, flagrantemente sem
justa causa, caminha-se para a audiência preliminar prevista na Lei n. 9099/95,
como se esta não alcançasse a liberdade ampla de ir e vir, no âmago, do próprio
envolvido, sujeitando-o ao comparecimento a juízo em procedimento criminal.
O paciente limitou-se a cumprir dever imposto por lei,
pela Lei dos Registros Públicos. Examinando título emanado da jurisdição cível
especializada do trabalho – carta de adjudicação -, percebeu que não se
contaria, no instrumento, com informações e peças exigidas por lei. Como lhe
cumpria fazer e diante, ao que tudo indica, de resistência da parte
interessada, suscitou a dúvida e aí, mediante pronunciamento que veio a se
fazer coberto pela preclusão maior, o Juízo da Vara dos Registros Públicos
disse do acerto da recusa em proceder de imediato ao registro, consignando,
inclusive, que a observância das exigências legais, após a dúvida levantada,
não seria de molde a obstaculizar a decisão.
Assim, não é
indispensável definir sobre a possibilidade de se ter, como agente do crime de
desobediência, pessoa que implemente atos a partir de função pública, valendo
notar, de qualquer maneira, que se procedeu não na condição de particular, não
considerado o círculo simplesmente privado, mas por força de delegação do poder
público, tal como previsto no artigo 236 da Constituição Federal. O que salta aos olhos é a impropriedade da
formalização do procedimento criminal, provocado que foi por visão distorcida
do órgão da Justiça do Trabalho, como se o Direito não se submetesse à
organicidade.
O
registrador, ao proceder o exame qualificador de um título judicial, age no
estrito cumprimento do seu dever legal. Tem ele a função zelar pela segurança
jurídica, o que somente ocorre através do exame de todos os títulos que lhes
são apresentados a registro, desinfluente a origem dos mesmos, sejam eles
particulares, públicos ou judiciais.
O
próprio CNCGJES preceitua em seu artigo 1145, que:
CNCGJES
Art. 1145. Os mandados oriundos de outras
Comarcas, os da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal somente serão submetidos
à apreciação do juiz quando houver motivo que obstaculize o cumprimento da
ordem, cabendo ao registrador
suscitar dúvida independentemente de requerimento da parte.
Através
do exame de qualificação, os títulos registráveis submetem-se a uma criteriosa
análise, na qual é verificada a sua legalidade, e se agregam, ou não, os
requisitos necessários a permitir o seu ingresso no RGI. Não atendido algum
requisito, como, v.g., o pagamento do imposto de transmissão, a prévia
averbação da alteração do estado civil de qualquer das partes, a prévia
retificação da área ou do registro do imóvel, a atualização dos confrontantes,
a apresentação de CND`s do INSS e SRF, a averbação de construção, o registro de
incorporação imobiliária etc., etc., etc., o oficial obstará o seu ingresso e
formulará exigências a serem cumpridas pela parte interessada.
Formuladas
as exigências, e na hipótese do interessado no registro do título com elas não
concordar, ou as considerar intransponíveis, poderá, se assim for a sua
vontade, lançar mão do disposto nos arts. 198 e seguintes da LRP, deflagrando
por meio de requerimento o procedimento de suscitação de dúvida, através do
qual o oficial registrador submeterá a questão ao Juízo Corregedor Permanente
de sua serventia, expondo todas as razões pelas quais impugnou o título.
V - CONCLUSÃO
Em conclusão a este ensaio, podemos afirmar que a competência para o julgamento de suscitação de dúvida levantada de títulos judiciais, no Estado do Espírito Santo, é atribuída ao juiz corregedor permanente, que será o juiz da vara de registros públicos ou o juiz diretor do fórum, onde não houver vara especializada em registros públicos.
Este é o Parecer,
Sub Censura.
V - CONCLUSÃO
Em conclusão a este ensaio, podemos afirmar que a competência para o julgamento de suscitação de dúvida levantada de títulos judiciais, no Estado do Espírito Santo, é atribuída ao juiz corregedor permanente, que será o juiz da vara de registros públicos ou o juiz diretor do fórum, onde não houver vara especializada em registros públicos.
Este é o Parecer,
Sub Censura.