DA QUESTÃO PRÁTICA ENFRENTADA
Parte correspondente a 30% de um imóvel urbano é objeto de desapropriação amigável, constando registrada na matrícula uma hipoteca. O credor hipotecário concorda com a desapropriação, e se predispõe a anuir autorizando a redução da área hipotecada em 30%, ou seja, concorda que a hipoteca recaia apenas sobre o remanescente. Pretende-se formalizar a desapropriação amigável por escritura pública após realização do desdobro do imóvel. É possível abrir matrícula para a área desapropriada e transportar a hipoteca somente para a matrícula a ser aberta para a área remanescente? Quais os cuidados que deve ter o registrador ao proceder o registro de uma desapropriação?
Tendo em vista a questão colocada sob exame, emitimos o nosso PARECER:
AQUISIÇÃO DERIVADA E ORIGINÁRIA: A aquisição de um direito real imobiliário pode operar-se originariamente ou derivadamente. A desapropriação encontra-se entre as formas de aquisição originária da propriedade, podendo ser amigável, caso em que será formalizada através de escritura pública, ou judicial, hipótese em que será instrumentalizada por carta de sentença, algumas vezes inadequadamente denominada de carta de adjudicação. Nunca, entretanto, mandado, uma vez que mandado não é instrumento hábil para instrumentar a transmissão do domínio. Quando a lei quer que o mandado sirva como título registrável, assim determina expressamente, como no caso da usucapião, hipótese em que deverá conter todos os requisitos da matrícula.
ENTENDIMENTOS EM CONTRÁRIO: Há quem sustente ser a desapropriação amigável uma forma derivada de aquisição do direito de propriedade. Em São Paulo, a partir da decisão do Conselho Superior da Magistratura n. 990.10.415058-2 – SBCSP, de 07/07/2011, publicada no DJESP de 24/08/2011, esse entendimento foi repelido, voltando-se a considerar a desapropriação amigável como uma forma originária de aquisição. Durante um certo tempo foi a desapropriação amigável equiparada a uma espécie de compra e venda, e, portanto, uma forma derivada de aquisição.
CONHECIMENTO DA ORIENTAÇÃO DA CORREGEDORIA LOCAL: É importante o registrador conhecer qual é a orientação normativa da Corregedoria de Justiça do seu Estado relativamente a essa questão, e se não houver orientação normativa tratando da questão, será preciso buscar conhecer decisões administrativas em procedimentos de Suscitação de Dúvida, ou mesmo precedentes jurisprudenciais do Tribunal ao qual encontra-se vinculado. Isso é relevante, pois a aquisição originária possui determinadas peculiaridades, o que iniludivelmente interfere nos procedimentos registrários.
SUBROGAÇÃO NO PREÇO E VENCIMENTO ANTECIPADO DA HIPOTECA: A propriedade virá para o Poder Público totalmente livre de quaisquer ônus ou gravames, que ficarão subrogados no preço da desapropriação, conforme o artigo 31, do Decreto Lei 3.365/41: Ficam subrogados no preço quaisquer ônus ou direitos que recaiam sobre o bem expropriado. Ocorrerá, ainda, o vencimento antecipado da hipoteca, na forma do art. 1.425, V, do CC, inserto no Título X (Do Penhor, da Hipotéca e da Anticrese), Capítulo I (Disposições Gerais), Livro III (Do Direito das Coisas), da Parte Especial do Codex Civilista: A dívida considera-se vencida: [...] se se desapropriar o bem dado em garantia, hipótese na qual se depositará a parte do preço que for necessária para o pagamento integral do credor.
ABERTURA DE NOVA MATRÍCULA: O correto é que se registre a desapropriação parcial abrindo-se matrícula autônoma para a parcela desapropriada, averbando-se na matrícula de origem - ou matrícula mãe, se assim for preferível chamar - a informação que parte do imóvel foi desapropriada pelo Poder Público, para esta parte foi aberta matrícula própria, e a ela deverá ser feita remissão.
CUIDADOS ESPECIAIS: Com relação à desapropriação, além dos cuidados de praxe adotados em todo em qualquer exame de qualificação, alguns cuidados especiais devem ser adotados, os quais passamos a tratar.
FALTA DE ELEMENTOS DESCRITIVOS: Em muitas situações o cartório não consegue esses elementos descritivos, quer porque a carta é omissa, quer porque, nas buscas que necessariamente efetua a respeito, nada encontra em seus livros e arquivos. Sem os requisitos da matrícula, previstos no art. 176, não é possível proceder a sua abertura, devendo o registrador, se for o caso, submeter a questão ao Juízo Compentente por meio de Suscitação de Dúvida. Em todo caso, devem ser observadas as normas da Corregedoria de Justiça do Tribunal do Estado em que o registrador exerce a sua delegação.
IMÓVEL DESAPROPRIADO COM ÁREA MAIOR DO QUE A ÁREA DO IMÓVEL TRANSCRITO OU MATRICULADO: Outra questão interessante é saber como proceder nos casos em que o imóvel desapropriado tiver área maior do que a área daquele transcrito ou matriculado em nome do particular atingido pela desapropriação. Nestes casos, s.m.j., entendemos que a carta de desapropriação merece registro, devendo ser aberta matrícula para o imóvel desapropriado, uma vez que se trata de aquisição originária, não incidindo a regra do art. 225, parágrafo segundo, da Lei de Registros Públicos.
DAS BUSCAS QUE O REGISTRADOR DEVE REALIZAR EM SEUS LIVROS E ARQUIVOS: Todo cuidado é pouco. Deve o registrador proceder uma pesquisa segura em seus livros e arquivos no sentido de verificar a existência de registro daquele imóvel que está sendo desapropriado, e isso para as averbações de controle e para impedir que ocorra duplicidade. Contudo, não poderá negar ingresso ao título, uma vez que na aquisição originária não existe vinculação entre a propriedade anterior e a nova propriedade. Na transcrição faz-se averbação a respeito e o mesmo se procede se parte do todo desapropriado estiver matriculado.
DESAPROPRIAÇÃO DE SERVIDÃO: Cuidados devem ser adotados pelo registrador, ainda, quando se tratar de desapropriação não de domínio, mas de servidão. Em tais casos o registro se faz na matrícula do imóvel em que se encarta a servidão desapropriada, sendo incorreto abrir matrícula para a faixa de terra que suporta a servidão. Na desapropriação de uma servidão, salvo melhor entendimento, o que se adquire é o direito real sobre coisa alheia consubstanciado pela própria servidão. Caso quisesse adquirir o direito real de propriedade, promoveria o ente público a desapropriação deste último, e não da servidão.
DO REMANESCENTE: Caberá sempre ao Cartório verificar, em casos de desapropriação parcial, a existência de remanescente para a corresponde averbação na transcrição ou matrícula da parte desapropriada. O ideal fosse que em todas as desapropriações parciais, em havendo remanescente, fosse ele descrito e caracterizado na carta de sentença, e isso para evitar que o cidadão que perdeu parte de sua propriedade, além de ter que ficar anos aguardando a justa indenização, ainda tenha que suportar o ônus de proceder a retificação de registro para fins de apurar quanto lhe restou do imóvel.
É o parecer, sub sensura
Guarapari/ES, em 27 de Novembro de 2011
DR. PHELIPE DE MONCLAYR POLETE CALAZANS SALIM