Por Phelipe de Monclayr
A língua dos advogados, o Juridiquês, também tem
lá as suas polêmicas - e que não são poucas. Um exemplo é a palavra
"dolo". Ela se pronuncia com timbre aberto ou fechado? Um professor
de Penal, certa vez, disse-me que a pronúncia é com o timbre fechado, da mesma
forma que a palavra "bolo". E até que faz sentido, afinal, ninguém
diz: dê-me um pedaço de "bólo". Ou diz? Seria uma cacoépia?
Lamentavelmente, não existe acento gráfico para
as paroxítonas terminadas em "a", "e", "o"
e "em", e no dia a dia do Juridiquês cada um vai pronunciando o seu
"dolo" como quer e bem entende. Na Bahia diriam "dólo",
em São Paulo "dôlo"... Eu prefiro com o timbre aberto, não
porque gosto, mas seguindo os conselhos de alguns filólogos, que ao
baterem o martelo da Gramática sentenciaram ser essa a ortoépia oficial. E
assim, a questão para mim transitou em julgado.
Pondo de lado o elemento volitivo que levou o
larápio a cometer o crime, pergunto agora qual a forma correta:
"protocolar" ou "protocolizar"? Esse parece ser um dos
maiores mistérios do Direito e quem sabe um dia a Academia Brasileira de Letras
Jurídicas peça a designação de uma audiência de conciliação só para tentar um acordo
gramatical quanto ao uso desse verbo. Advogados nascem, crescem, reproduzem-se
e morrem, sem saber qual é a forma correta. Juízes e promotores - e quiça
desembargadores -, não ficam de fora.
Pois é meu amigo... a verdade é que na hora de
gastar o Latim, dúvidas não faltam. E todos os dias nos perguntamos se a
expressão data venia, por exemplo, teria acento circunflexo como nos pede o Word,
e se o correto é procuração ad judicia ou ad juditia, e outras mais dúvidas do Português e do Latim.
Quem já não hesitou antes de escrever uma expressão latina? E quem já
não
errou? Se já não fosse suficiente termos problemas com línguas mortas,
também o nosso vivinho
Português muitas vezes nos prega peças e nos faz hesitar no simples
redigir de uma carta. Quanta gente na hora de escrever um ofício já não
parou estarrecida perante a forma verbal
"vimos", no clichê "vimos
por meio desta"? Não seria o caso de utilizarmos a forma verbal
"viemos"? Afinal, “vimos” é do verbo ver. Ou não?
E o fato é que ao mundo do Direito nós vimos e quantas dúvidas
por aqui não vimos? Mas e o tal do "vimos"? Bem... a forma verbal "vimos", cabe esclarecer, serve tanto para o
verbo "ver" como para o verbo "vir", e é por isso que com
ela se vê tanta da confusão. Nos diz o oráculo que em se tratando do verbo ver,
"vimos" é a conjugação desse verbo na terceira pessoa do plural do
pretérito perfeito do modo indicativo. Exemplo: nós vimos o jogo ontem. Com
relação ao verbo vir, "vimos" é a conjugação desse verbo na terceira
pessoa do plural do presente do modo indicativo. Eu venho, tu vens, ele vem, nós
vimos, vos vindes, eles vêm.
Enquanto alguns discutem qual é a forma correta,
outros não querem nem saber. Simplesmente escolhem a que acham ser a forma mais
estética e mandam ver, em uma demonstração de eficiente pragmatismo. Se alguém
notar o erro é só colocar a culpa no estagiário e pronto. Resolvida a questão.
Um advogado mais moderninho poderia até assumir a culpa sozinho dizendo
tratar-se de licença poética, pois escrever para o Direito é uma arte, e a arte
não está presa a regras e nem a formas... mas esse barro não cola em qualquer
parede do pós-modernismo jurídico.
Já para mim, tenho que uma saída mais
inteligente, sem precisar quebrar muito a cabeça, seria fugir do chavão e ir
direto ao assunto, pulando o tal do “vimos por meio desta”, o que é de bom
estilo. Outra seria escrever na primeira pessoa do singular: “venho por meio
desta”. Porém, escrever na primeira pessoa do singular retira do texto um pouco
daquele ar de impessoalidade necessário às correspondências oficiais. E assim
fica estabelecido um impasse, logo na primeira frase do texto. Óh dúvida
cruel... O que fazer? redigir na primeira pessoa do singular ou na terceira pessoa do plural? E quinze minutos se vão antes de se chutar o balde da gramática e derramar letras sobre o papel.
Mas o negócio é que essas “polêmicas gramaticais” são o menor dos
problemas do Juridiquês. De todos, talvez o maior deles seja o estilo da
escrita
jurídica e a sua verbosidade, a mesma do pernonagem de Lima Barreto,
cujo
famoso conto é por mim aqui parafraseado. Para quem não se recorda, o
nome do
conto é: "O homem que sabia javanês". Um dos mais divertidos de nossa
literatura. Seu personagem era o malandro Castelo, um tremendo 171 que
se dizia
professor de javanês, dava aulas e tudo mais. Como ninguém sabia falar
javanês no pedaço, bastava Castelo enrolar a língua e falar qualquer
palavra
estranha inventada na hora. Aquilo era javanês e todos o aplaudiam.
Virou
celebridade.
E o juridiquês é meio parecido com esse javanês
de malandro. Emprega-se muito eruditismo nos textos jurídicos, além de períodos
excessivamente longos e que muitas vezes ocupam parágrafos inteiros com palavras
absolutamente desnecessárias, como as deste texto que você está lendo agora (rsss). É
tanta da redundância, que quando o juiz chega na quinta folha praticamente já
esqueceu o que leu - e dificilmente entendeu - lá na primeira.
Enquanto a verbosidade continuar sendo a marca
registrada do Juridiquês, este disléxico que vos escreve diz que o grande
negócio é evitá-la. Nada de latinismos, nada de frases invertidas, nada de
períodos longos e rebuscados. A chave do paraíso é a concisão e a clareza, a
exemplo da petição que fiz ontem, com 50 folhas – concisa por sinal: utilizei
fonte arial 12 para comprimir o texto (rsss). Ai que dor nas vistas do Eme Eme...
Por fim, não posso aqui deixar de esclarecer que
o correto é ad judicia ao invés de ad juditia e que data venia,
como toda expressão latina, não leva acento. Um excelente fim de semana a
todos.
Phelipe de Monclayr
Dicas perfeitas! :D
ResponderExcluirValeu Carlos.
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