sexta-feira, 29 de março de 2013

O homem que sabia Juridiquês




Por Phelipe de Monclayr

A língua dos advogados, o Juridiquês, também tem lá as suas polêmicas - e que não são poucas. Um exemplo é a palavra "dolo". Ela se pronuncia com timbre aberto ou fechado? Um professor de Penal, certa vez, disse-me que a pronúncia é com o timbre fechado, da mesma forma que a palavra "bolo". E até que faz sentido, afinal, ninguém diz: dê-me um pedaço de "bólo". Ou diz? Seria uma cacoépia?

Lamentavelmente, não existe acento gráfico para as paroxítonas terminadas em "a", "e", "o" e "em", e no dia a dia do Juridiquês cada um vai pronunciando o seu "dolo" como quer e bem entende. Na Bahia diriam "dólo", em São Paulo "dôlo"... Eu prefiro com o timbre aberto, não porque gosto, mas seguindo os conselhos de alguns filólogos, que ao baterem o martelo da Gramática sentenciaram ser essa a ortoépia oficial. E assim, a questão para mim transitou em julgado.

Pondo de lado o elemento volitivo que levou o larápio a cometer o crime, pergunto agora qual a forma correta: "protocolar" ou "protocolizar"? Esse parece ser um dos maiores mistérios do Direito e quem sabe um dia a Academia Brasileira de Letras Jurídicas peça a designação de uma audiência de conciliação só para tentar um acordo gramatical quanto ao uso desse verbo. Advogados nascem, crescem, reproduzem-se e morrem, sem saber qual é a forma correta. Juízes e promotores - e quiça desembargadores -, não ficam de fora.

Pois é meu amigo... a verdade é que na hora de gastar o Latim, dúvidas não faltam. E todos os dias nos perguntamos se a expressão data venia, por exemplo, teria acento circunflexo como nos pede o Word, e se o correto é procuração  ad judicia ou ad juditia, e outras mais dúvidas do Português e do Latim. Quem já não hesitou antes de escrever uma expressão latina? E quem já não errou? Se já não fosse suficiente termos problemas com línguas mortas, também o nosso vivinho Português muitas vezes nos prega peças e nos faz hesitar no simples redigir de uma carta. Quanta gente na hora de escrever um ofício já não parou estarrecida perante a forma verbal "vimos", no clichê "vimos por meio desta"? Não seria o caso de utilizarmos a forma verbal "viemos"? Afinal, “vimos” é do verbo ver. Ou não?

E o fato é que ao mundo do Direito nós vimos e quantas dúvidas por aqui não vimos? Mas e o tal do "vimos"? Bem... a forma verbal "vimos", cabe esclarecer, serve tanto para o verbo "ver" como para o verbo "vir", e é por isso que com ela se vê tanta da confusão. Nos diz o oráculo que em se tratando do verbo ver, "vimos" é a conjugação desse verbo na terceira pessoa do plural do pretérito perfeito do modo indicativo. Exemplo: nós vimos o jogo ontem. Com relação ao verbo vir, "vimos" é a conjugação desse verbo na terceira pessoa do plural do presente do modo indicativo. Eu venho, tu vens, ele vem, nós vimos, vos vindes, eles vêm.

Enquanto alguns discutem qual é a forma correta, outros não querem nem saber. Simplesmente escolhem a que acham ser a forma mais estética e mandam ver, em uma demonstração de eficiente pragmatismo. Se alguém notar o erro é só colocar a culpa no estagiário e pronto. Resolvida a questão. Um advogado mais moderninho poderia até assumir a culpa sozinho dizendo tratar-se de licença poética, pois escrever para o Direito é uma arte, e a arte não está presa a regras e nem a formas... mas esse barro não cola em qualquer parede do pós-modernismo jurídico.

Já para mim, tenho que uma saída mais inteligente, sem precisar quebrar muito a cabeça, seria fugir do chavão e ir direto ao assunto, pulando o tal do “vimos por meio desta”, o que é de bom estilo. Outra seria escrever na primeira pessoa do singular: “venho por meio desta”. Porém, escrever na primeira pessoa do singular retira do texto um pouco daquele ar de impessoalidade necessário às correspondências oficiais. E assim fica estabelecido um impasse, logo na primeira frase do texto. Óh dúvida cruel... O que fazer? redigir na primeira pessoa do singular ou na terceira pessoa do plural? E quinze minutos se vão antes de se chutar o balde da gramática e derramar letras sobre o papel.

Mas o negócio é que essas “polêmicas gramaticais” são o menor dos problemas do Juridiquês. De todos, talvez o maior deles seja o estilo da escrita jurídica e a sua verbosidade, a mesma do pernonagem de Lima Barreto, cujo famoso conto é por mim aqui parafraseado. Para quem não se recorda, o nome do conto é: "O homem que sabia javanês". Um dos mais divertidos de nossa literatura. Seu personagem era o malandro Castelo, um tremendo 171 que se dizia professor de javanês, dava aulas e tudo mais. Como ninguém sabia falar javanês no pedaço, bastava Castelo enrolar a língua e falar qualquer palavra estranha inventada na hora. Aquilo era javanês e todos o aplaudiam. Virou celebridade.

E o juridiquês é meio parecido com esse javanês de malandro. Emprega-se muito eruditismo nos textos jurídicos, além de períodos excessivamente longos e que muitas vezes ocupam parágrafos inteiros com palavras absolutamente desnecessárias, como as deste texto que você está lendo agora (rsss). É tanta da redundância, que quando o juiz chega na quinta folha praticamente já esqueceu o que leu - e dificilmente entendeu - lá na primeira.

Enquanto a verbosidade continuar sendo a marca registrada do Juridiquês, este disléxico que vos escreve diz que o grande negócio é evitá-la. Nada de latinismos, nada de frases invertidas, nada de períodos longos e rebuscados. A chave do paraíso é a concisão e a clareza, a exemplo da petição que fiz ontem, com 50 folhas – concisa por sinal: utilizei fonte arial 12 para comprimir o texto (rsss). Ai que dor nas vistas do Eme Eme...

Por fim, não posso aqui deixar de esclarecer que o correto é ad judicia ao invés de ad juditia e que data venia, como toda expressão latina, não leva acento. Um excelente fim de semana a todos.

Phelipe de Monclayr

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