Sabemos que com o falecimento do autor da herança abre-se a sucessão causa mortis. Pelo conhecido princípio da saisine, no exato momento da morte ocorre a transferência imediata da posse e da propriedade dos bens do de cujus a seus herdeiros legítimos e testamentários, não dependendo essa transmissão de nenhum ato posterior.
Preceitua o art. 1.784 do Código Civil que:
Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.
Essa transmissão ocorre ex lege, independentemente do registro imobiliário. No caso, o registro do formal de partilha ou da carta de adjudicação, conforme for o caso, apenas será realizado em respeito ao Princípio da Continuidade. Assim, no caso da saisine, não será o registro um o ato de transmissão do direito real sobre os imóveis que compõem a herança, mas apenas um ato que será praticado para fins de publicidade e para manter-se íntegros os elos da cadeia dominial junto ao Fólio Real Imobiliário.
É sempre importante lembrar que o próprio direito à sucessão aberta, em si já é considerado um bem imóvel, ex vi do legal art. 80, II, Código Civil, que preceitua o seguinte:
Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais: [...]
II – O Direito à sucessão aberta;
Não importa se a herança é composta por bens exclusivamente móveis ou direitos pessoais. Enquanto não houver a partilha, ou seja, enquanto permanecer o estado de indivisão da herança, serão todos eles juntos considerados um bem imóvel por ficção legal.
Importante também lembrar que a herança é transferida pela saisine como um todo unitário, não importando quantos sejam os herdeiros, e isso por força do art. 1.791, caput, do Código Civil:
Art. 1.791. A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros.
Parágrafo único. Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio.
Esse direito à sucessão aberta, considerado por lei um imóvel, conforme o art. 1.793, caput, do Código Civil, pode ser cedido por parte de seu titular:
Art. 1.793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública.
Podem os herdeiros, portanto, dispor dos respectivos direitos hereditários cedendo-os ao cônjuge meeiro, a outros herdeiros ou mesmo a terceiros. Contudo, existindo limitações impostas a esse direito de dispor, como, por exemplo, se constar cláusula de inalienabilidade.
Existe a necessidade de que a cessão seja formalizada por escritura pública. Isso é uma decorrência lógica da própria natureza da herança, considerada bem imóvel até que ocorra a partilha. Sendo um bem imóvel, deve ser observada forma solene.
O direito de dispor do direito hereditário também encontra limites para o seu exercício quanto à necessidade de observância do direito de preferência previsto no art. 1.794 do CC:
Art. 1.794. O co-herdeiro não poderá ceder a sua cota hereditária a pessoa estranha à sucessão, se outro co-herdeiro a quiser, tanto por tanto.
Sendo considerado um bem imóvel por ficção da lei, necessário se faz a outorga conjugal, com exceção apenas no regime da separação absoluta, e isso por força do art. 1.647, I, do Código Civil:
Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:
I – alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;
A outorga deve ser dada na própria escritura de cessão, em observância ao art. 220 do Código Civil:
Art. 220. A anuência ou autorização de outrem, necessária à validade de um ato, provar-se-á do mesmo modo que este, e constará, sempre que possa, do próprio instrumento.
Do mesmo modo, em se tratando de cessão onerosa de ascendente para descendente, há necessidade do consentimento dos demais descendentes e do cônjuge do alienante, que deverá ser dado também na própria escritura. Preceitua o art. 496 do Código Civil que:
Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.
A interpretação do artigo, muito embora a sua literalidade fale em “venda”, deve-se estender-se a todo e qualquer ato oneroso de disposição.
Falando o art. 496 em descendentes, em se tratando de filho pré-morto, os herdeiros deste passam a integrar a herança pelo chamado direito de representação. Portanto, os netos do autor da herança deverão integrar a escritura pública, ao lado dos demais descendentes, a fim de consentirem na cessão onerosa.
Assim, se A morre deixando cinco filhos: B, C, D, E e F, mas B é pré-morto, os eventuais filhos de B assumirão seu lugar por meio do direito de representação previsto no art. 1.851 do Código Civil:
Art. 1.851. Dá-se o direito de representação, quando a lei chama certos parentes do falecido a suceder em todos os direitos, em que ele sucederia se vivo fosse.
Uma decorrência da indivisibilidade da herança é a de que se torna ineficaz a cessão pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança singularmente considerado, por força do que dispõem os §§ 2º e 3º do art. 1.793 do Código Civil:
§ 2º É ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente.
§ 3º Ineficaz é a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por qualquer herdeiro, de bem componente do acervo hereditário, pendente a indivisibilidade.
Assim, uma herança composta de um apartamento, uma loja comercial, uma casa de praia, um sítio, dois carros, aplicações financeiras e jóias, com três herdeiros, até que se ultime será considerada unitariamente. Cada herdeiro terá uma fração correspondente a 1/3 do todo.
Não se pode, portanto, individualizar um bem para o fim de cedê-lo. E se o fizer, o negócio será ineficaz, ou seja, não produzirá efeitos com relação ao Juízo da Sucessão e aos demais herdeiros.
Existe entendimento no sentido de ser desnecessária a autorização judicial se todos os herdeiros participarem da escritura, seja alienando, seja anuindo na cessão, isto é, se todos alienarem o direito hereditário não haverá necessidade de alvará.
Pretendendo o herdeiro ceder sua cota hereditária a terceiro, sobre um bem considerado individualmente, deverá requerer ao Juízo da Sucessão autorização para tal negócio, materializada através de Alvará, a ser requerido pelo inventariante e ouvidos todos os interessados.
Não se individualizando bens, poderá o herdeiro dispor do seu quinhão com liberdade, respeitada a preferência dos demais co-herdeiros. Assim, se um herdeiro detiver um quinhão de 30%, poderá ceder 10%, 25%, 20% ou quanto quiser, até todo o quinhão.
Não se permitindo a individualização dentro da universalidade jurídica, poderá o herdeiro dispor parcial ou totalmente de sua parte na herança, mas sempre sem especificar bens. Se o fizer, o negócio será ineficaz, não custa lembrar.
Também não poderá ceder a pessoa estranha sem antes oferecer aos demais herdeiros, pois têm eles o direito de preferência, lembrando sempre que trata-se de um condomínio sobre imóvel por ficção legal e que só se ultimará com a partilha.
Preceitua o art. 1.795, caput, Código Civil, que:
Art. 1.795. O co-herdeiro, a quem não se der conhecimento da cessão, poderá, depositando o preço, haver para si a quota cedida a estranho, se o requerer até 180 (cento e oitenta) dias após a transmissão.
Os co-herdeiros deverão ser notificados para fins de exercer a preferência, sendo que a notificação deverá conter preço, prazo e forma de pagamento. O prazo não poderá exceder a cento e oitenta dias, sendo que na falta de estipulação de prazo, este será de sessenta dias, conforme a regra do art. 516 do Código Civil:
Art. 516. Inexistindo prazo estipulado, o direito de preempção caducará, se a coisa for móvel, não se exercendo nos três dias, e, se for imóvel, não se exercendo nos sessenta dias subseqüentes à data em que o comprador tiver notificado o vendedor.
O co-herdeiro interessado na aquisição do bem ou quota cedida, ciente do negócio a ser realizado, também poderá notificar o co-herdeiro cedente, informando do seu interesse no negócio.
Saliente-se que os co-herdeiros têm preferência na aquisição somente se se tratar de negócio jurídico oneroso. Nesse sentido é a doutrina de Nelson Nery Júnior, Rosa Maria Andrade Nery e Maria Helena Diniz, dentre outros.
O prejudicado, depositando o preço do negócio, poderá haver para sí a quota cedida a estranho. O prazo de decadência para pedir a anulação do negócio é de cento e oitenta dias contado da lavratura do ato notarial.
Sendo o co-herdeiro incapaz, deverá haver requerimento dirigido ao Juízo da Sucessão, ouvidos o curador e o Ministério Público.
Se mais de um co-herdeiro se interessar pela aquisição do bem ou quota hereditária, o objeto da cessão ser-lhes-á distribuído na exata proporção do quinhão de cada interessado, segundo o parágrafo único do art. 1.795 do Código Civil:
Parágrafo único. Sendo vários os co-herdeiros a exercer a preferência, entre eles se distribuirá o quinhão cedido, na proporção das respectivas quotas hereditárias.
Para Maria Helena Diniz, não ocorre o direito de preferência entre co-herdeiros, da mesma forma que não ocorrerá se a cessão for a terceiro, mas gratuita.
Contudo, sendo o direito dos co-herdeiros até a partilha regidos pelas regras inerentes ao condomínio, inegável o direito de preferência entre os co-herdeiros quando houver desigualdade de quinhões, por força do art. 1.118, III, do Código de Processo Civil, e dos arts. 504, caput, e 1.322, caput, do Código Civil:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Art. 1.118. Na alienação judicial de coisa comum, será preferido:
[...]
III – o condômino proprietário de quinhão maior, se não houver benfeitorias.
CÓDIGO CIVIL
Art. 504. Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de decadência.
Art. 1322. Quando a coisa for indivisível, e os consortes não quiserem adjudica-la a um só, indenizando os outros, será vendida e repartido o apurado, preferindo-se, na veda, em condições iguais de oferta, o condômino ao estranho, e entre os condôminos aquele que tiver na coisa benfeitorias mais valiosas, e, não as havendo, o de quinhão maior.
Assim, se em um acervo hereditário com quatro herdeiros (A, B, C e D), o co-herdeiro A quiser ceder sua quota de 25% do ao co-herdeiro B, poderá fazê-lo sem se preocupar com os demais. Mas, uma vez realizada essa cessão, o co-herdeiro B passará a ter uma quota hereditária correspondente a 50% do acervo hereditário, passando a possuir um quinhão maior e passando agora a ter preferência no caso de novas cessões eventualmente que venham a ser realizadas por C e D.
É também o caso do cônjuge meeiro, se este houver. Se algum dos co-herdeiros quiser ceder sua quota hereditária a estranho, deverá obter a aquiescência do cônjuge meeiro e dos demais co-herdeiros. E se quiser alienar sua quota a um outro co-herdeiro, deverá primeiramente oferecê-la ao cônjuge meeiro, para que exerça a preferência.
Considerando o teor dos arts. 1793 e 1795, em que há menção genérica somente a "escritura pública" e a "transmissão" e que, ao contrário da propriedade pós-partilha, a cessão de direitos hereditários não pode ser registrada no Cartório de Imóveis, considerar-se-á o termo inicial dos 180 dias a lavratura da escritura no Cartório de Notas?
ResponderExcluirEu recebi uma casa de herança do meu pai e quero vendê-la, mas sou casada no regime de comunhão parcial de bens, o meu marido precisa assinar a Escritura???mesmo sendo herança meu marido tem que assinar?
ResponderExcluirEu recebi uma casa de herança do meu pai e quero vendê-la, mas sou casada no regime de comunhão parcial de bens, o meu marido precisa assinar a Escritura???mesmo sendo herança meu marido tem que assinar?
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